São Paulo, quarta-feira, 4 de setembro de 1996
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Artaud é atemporal em sua crueldade

DA REPORTAGEM LOCAL

Como parte das comemorações ao centenário do escritor e dramaturgo francês, a Folha realizou anteontem o debate "A Atualidade de Antonin Artaud".
Integraram a mesa debatedora o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa, os escritores Silviano Santiago e Cláudio Willer e o historiador Nicolau Sevcenko. A mediação foi do crítico teatral da Folha, Nelson de Sá.
Sevcenko abordou as viagens de Artaud e seu "Teatro da Crueldade".
"Visitando o México, Artaud abalou-se com os rituais indígenas. Em seu trabalho existe uma síntese de experiências extra-européias que ele viveu com intensidade", disse.
Ritual primitivo
Sobre o "Teatro da Crueldade", Sevcenko afirmou que inicialmente é dada uma conotação sádica ao termo crueldade.
"Mas Artaud revertia o sentido para o tipo de ritual primitivo. Tratava-se da crueldade intrínseca do ser humano. O homem vive com domínio da necessidade."
O escritor Silvino Santiago falou sobre a atualidade de Artaud: "No prefácio de 'O Teatro e Seu Duplo', Artaud trata de uma questão política que não pode ser confundida com ideológica. Ele menciona a fome, que era uma questão política da Europa de meados dos anos 30, mas que ainda é atual".
Essa crise na Europa o fez buscar a viagem, "a aventura, o sonho" no México, segundo Santiago.
"A aventura para Artaud é deixar o corpo à deriva, é a liberação para o corpo se nutrir de novas experiências e realizar obras", disse.
O diretor teatral José Celso Martinez Corrêa abordou no debate sua montagem de "Para Acabar com o Juízo de Deus", que apresentará hoje, no Masp (leia texto acima).
"Estou em pleno processo de ensaio com as informações que ouço aqui", disse.
Ele também falou sobre o "Teatro da Crueldade". "Artaud dizia que, para existir, é fácil, é só deixar que vem. Para viver é necessário ter crueldade. Crueldade é algo mais, que faz não esperar de Deus que venha", disse.
Segundo Zé Celso, no teatro esse exercício da crueldade é possível.
"Artaud acreditava que não existia morte. Morte é superável. Para ele, existia apenas a voz que fala, que abre espaços, e o cu que caga o que serviu de alimento. Ele morreu de câncer no ânus."
Silvino explicou que, para Artaud, "enquanto não assassina, não nasce. Enquanto não expele, não nasce. Precisa expelir o que te alimenta para continuar a viver".
O escritor Cláudio Willer falou sobre a linguagem em Artaud.
"Antonin Artaud buscava a linguagem mais concreta para falar da linguagem psicológica. É possível traçar um paralelo entre a linguagem de Artaud e a linguagem gnóstica", disse.
Segundo Willer, para Artaud, toda verdadeira linguagem é ininteligível.
Em "Para Acabar com o Julgamento de Deus", Artaud diz: "Onde cheira merda cheira ser. É Deus um ser? Se for, chama merda".
Willer falou também sobre o teatro de Artaud. "Seu teatro era como um ritual", disse.
"A loucura de Artaud consiste em ser personagem de si mesmo. Ele praticou seus textos na vida real."
Segundo Silvino, Antonin Artaud foi contrário à hierarquização do texto. "A mise-en-scène na França de sua época era subordinada ao texto. Ele se revolta contra o teatro que faz apenas a ilustração do texto. O teatro dele era mais que isso, era texto, ação, imagem, representação."
Silvino afirmou que o ator era correspondente a um hieróglifo (ideograma figurativo) para Artaud -o ator concentrava vários significados e funções.
Willer ressaltou que isso não significa que o teatro de Artaud não exigisse um elevado nível de rigor textual. "O texto é essencial no teatro de Artaud."

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