São Paulo, sexta-feira, 6 de setembro de 1996
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As ruínas da pátria

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - A Folha conseguiu fotografar ontem as ruínas da pátria. Está lá, na página 3-3, sob o título "Crianças voltam às ruas após operação".
Conta que, de 80 menores recolhidos pelo Estado no centro de São Paulo, 81% voltaram para as ruas. Sei que esses dados já não chocam ninguém, mas calar é sempre pior.
Por quê ruínas da pátria? Porque não há outra expressão para designar uma situação em que crianças, frágeis por definição, preferem em massa a selva da rua ao suposto conforto de um abrigo do Estado.
É ou não a ruína do Estado?
Some-se a ela o fato de que muitas dessas crianças, segundo Lia Junqueira, do Centro de Referência da Criança e do Adolescente, são arrimos de família.
Quando um punhado de famílias coloca sua penosa sobrevivência na dependência da mendicância ou dos furtos praticados pelos seus membros mais indefesos, só cabe falar em ruína.
Ruína também da sociedade, que tolerou e/ou contribuiu para o contínuo agravamento do problema, por egoísmo, omissão, cinismo, más escolhas políticas ou que diabo tenha acontecido nestes tristes trópicos.
O que se pode esperar de um país em que nem o Estado nem a família são capazes de defender suas crianças ou, ao menos, um crescente número delas?
O que se pode esperar dessas próprias crianças, quando se sabe que 82% (dados do SOS Criança) são viciadas ou em cola ou em crack ou em maconha ou em cocaína?
Na Europa, condena-se o chamado Estado de Bem-Estar Social porque seus generosos subsídios induzem, dizem os críticos, o desempregado a permanecer desempregado porque vive razoavelmente bem com o salário-desemprego.
Aqui, um punhado de famílias acomoda-se não a um subsídio legal, que inexiste, mas à exposição de suas crianças à brutalidade das ruas. Se não é um país em ruínas, o que é então?

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