São Paulo, sábado, 7 de setembro de 1996
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Concubinato entre casados

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A lei que regulamentou o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição veio tão cheia de defeitos, que já se cuida de modificá-la. Justifica a pergunta: se era para fazê-la tão ruim, por que foi feita?
Cláudio Antonio Mesquita Pereira, presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo, em representação encaminhada a Geraldo Brindeiro, procurador geral da República, dá bons exemplos dos absurdos cometidos.
Um deles se refere ao artigo 8º da lei, que prevê a conversão da união estável em casamento, mediante pedido escrito ao oficial do registro civil. A norma é inconstitucional. A habilitação e a celebração do casamento só ocorrem perante a justiça de paz, nos termos do inciso 2º do artigo 98 da Carta Magna, sendo acessíveis apenas aos solteiros e aos divorciados.
Apesar da inconstitucionalidade, o artigo 8º mostra que a relação concubinária de pessoas casadas, embora socialmente aceita, não é protegida pela lei referida, de número 9.278. Claro: o homem ou a mulher, casados com terceiros, que quiserem transformar a relação concubinária em matrimônio, praticarão ato nulo e criminoso, o da bigamia.
A princípio, quando interpretei o artigo 226 da Constituição, meu entendimento foi no sentido de que poderia haver convivência duradoura em que um ou ambos os companheiros fossem casados com terceiros, sob a condição de estarem efetivamente separados de fato de seus cônjuges, não mantendo com eles relacionamento matrimonial.
Considerando, porém, que a situação assim criada não é transformável em casamento e a Carta Magna exige a possibilidade da transformação, reformulei meu pensamento.
Situação relativamente frequente é a de pessoa que continua casada, mas mantém relação estável durante anos com terceiro. Recentemente, no Rio, um cidadão foi morto por bala perdida, quando assistia a um espetáculo circense, em companhia de uma senhora com a qual dividiu, durante anos, boa parte de seu tempo, sendo ambos casados, mas não um com o outro. Conheci, ao longo da vida, o caso de um homem que teve 15 filhos, por cinco mulheres, sendo fiel a todas elas, se é que assim se pode dizer.
A comparação direta entre os artigos 2º da lei nº 9.278 e 231 do Código Civil pode ser útil para a compreensão do leitor. O artigo 231 inclui entre os deveres dos cônjuges o de manterem vida comum, no lar conjugal, em condições de fidelidade recíproca. Esses deveres não figuram no artigo 2º, para os conviventes, o que parece contrário ao significado de convivência, que pressupõe um lugar comum de vida e fidelidade. Se não fosse assim, a convivência se converteria em uma forma de bigamia ou de poligamia, contrária à lei e, pelo menos, aos costumes aceitos no mundo ocidental.
Há, também, a questão patrimonial. O casamento acabou transformado em modo muito mais seguro para o homem e para a mulher, pois, torna definitivo e imutável o regime de bens adotado, na forma da lei ou por pacto antenupcial. Este, sabe o leitor, é necessário para estabelecer a comunhão universal ou a separação total, pois o regime legal é o da comunhão parcial.
Na convivência, tudo é incerto, dependendo da prova de seu início e da forma das aquisições. A presunção é de que tudo o que os conviventes adquiriram, no curso da vida comum, pertença ao homem e à mulher, na base de metade para cada um.
A presunção do "fifty-fifty" só se desfaz através de contrato escrito, com toda a matéria patrimonial muito explicadinha. Sob esse ponto de vista os advogados têm motivo de regozijo: criou-se, com o contrato de convivência, mais uma fonte de renda. Tudo bem pensado, abandono a conclusão anterior: garantido mesmo, é o casamento.

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