São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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Williamson condena "desordem fiscal"

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Quando resolveu "revisitar" o Consenso de Washington (conjunto de medidas de ajustamento e estabilização das economias dos países da América Latina propostas no final da década de 80 e julgadas recomendáveis pelos principais atores políticos da capital dos EUA, inclusive Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional), o economista John Williamson, 59, sabia estar entrando em área polêmica.
A oportunidade lhe foi dada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que promoveu na semana passada em Washington seminário sobre políticas e práticas de desenvolvimento.
Williamson nega que tenha proposto "grandes mudanças" no receituário do Consenso de Washington em sua conferência. Mas admite ter "adicionado alguns passos" e "esclarecido alguns pontos" em relação ao Consenso. As alterações basicamente introduzem a necessidade de se agir com mais decisão no setor social, em particular na educação.
Para o ministro Paulo Renato de Souza, um dos representantes do Brasil no seminário, as declarações de Williamson devem ter soado como boa música.
Na sexta-feira, quando Washington estava sendo submetida às rebarbas do furacão Fran, tempestades e vendavais que duraram o dia inteiro, Williamson recebeu a Folha em seu escritório no Instituto para Economia Internacional, de onde está saindo após 15 anos para assumir esta semana o posto de economista-chefe para o sul da Ásia no Banco Mundial.
Em meio a pilhas de caixas de papelão, tendo atrás de si, pregada na parede, a cópia de uma entrevista que deu à Folha quando esteve no Brasil ("Pai do Consenso de Washington aprova o Real" era o título), Williamson se estendeu um pouco mais sobre o que pensa a respeito da atualidade do Consenso de Washington e do atual quadro econômico brasileiro.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
*
Folha - Sua conferência no começo da semana parece ter causado uma certa comoção no Brasil. Todos querem saber se chegou a hora de mudar os termos do Consenso de Washington. É isso?
John Williamson - Não. Eu não acho que o que eu disse seja uma grande mudança em relação ao Consenso. Nove das dez recomendações do Consenso continuam lá, e a décima (abolição das barreiras que impediam a entrada de empresas estrangeiras nas economias latino-americanas) saiu por já ter sido cumprida.
O que eu tentei foi fazer duas coisas: relacionar passos adicionais que a América Latina precisa dar, na minha opinião, e esclarecer algumas das recomendações do Consenso que têm sido, erradamente, a meu ver, classificadas como "neoliberais". Por exemplo, no que se refere a políticas cambiais, eu tentei deixar muito claro que o modelo deve ser o do Chile ou Colômbia, e não o da Argentina (rígida taxa fixa) ou Peru (taxa flutuante).
O sistema de bandas largas de câmbio como o chileno e o colombiano permite que se mantenha uma taxa de câmbio competitiva apesar das fortes pressões do fluxo de capitais. O Brasil tem feito na prática alguma coisa muito similar a esse modelo, embora de maneira menos formal e com bandas mais estreitas.
Outro ponto que eu tentei esclarecer para mostrar que minha visão não é "neoliberal" nem expressa a visão "gananciosa" de Washington foi ressaltar a importância de se priorizar, nos gastos públicos, o setor social.
Folha - Mas na sua conferência o sr. mesmo admitiu que seu pensamento atual difere do Consenso de Washington, como foi expresso em 1989 também pelo sr.
Williamson - Sim. Por dois motivos: porque agora eu estou apresentando os pontos que eu acredito sejam os de importância primordial para a América Latina em vez de buscar, como em 1989, o mínimo denominador comum do que eu julgava seria aceitável por todos em Washington, e porque a América Latina mudou desde 1989. Isso não significa que essa nova versão represente um recuo em relação ao Consenso, mas apenas que agora eu desejo deixar claro que existem outras coisas importantes que estavam pelo menos em minha mente quando as recomendações do Consenso foram formuladas e que podem agora ser esclarecidas.
Folha - Mas muitas dessas preocupações agora explicitadas pelo sr. já vêm aparecendo há algum tempo nos discursos do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, não é verdade?
Williamson - (após alguns segundos de hesitação) Eu diria que vagamente e de um modo geral, sim. Eu não acho que o FMI já tenha, por exemplo, se decidido em relação a um modelo de política de câmbio. Eu acho que existe hoje mais simpatia pelo sistema chileno do que havia antes do colapso mexicano.
Mas eu não creio que o FMI esteja por enquanto comprometido com esse tipo de política. Em termos de gastos públicos com o setor social, acho que o Banco Mundial reconhece a importância de se proceder assim.
Portanto, eu não vejo nenhum enorme contraste entre o que eu estou dizendo agora e as políticas do Banco e do Fundo. Mas eu não quero reivindicar que eles assinem embaixo de tudo o que eu escrevi.
Folha - Especificamente sobre o Brasil, o sr. acha que o governo está seguindo a direção das recomendações que o sr. está agora defendendo ou ainda está preso ao receituário original do Consenso de Washington?
Williamson - (risos) Bem, eu tenho algumas preocupações constantes em relação às políticas econômicas brasileiras. A primeira, que é a mais básica de todas e continua lá, é a questão fiscal.
Eu acho que qualquer um se sente desconfortável com a política fiscal brasileira e com as dificuldades para o Congresso aprovar as reformas constitucionais.
Essa situação tem em grande medida impedido a adoção de qualquer política econômica racional no país. Por isso, entre outros motivos, são mantidas essa taxas de juros altíssimas, que eu acho que são muito ruins para o Brasil. Mas a culpa por esse problema deve ser colocada muito mais sobre o Congresso do que sobre o governo.
A segunda questão se refere à política de comércio exterior. Ninguém pode se sentir confortável quando o ministro Dornelles parece disposto a dar proteção a qualquer setor da indústria que peça proteção a ele. A indústria de brinquedos pede proteção e ele logo diz: "está aqui".
Essa política não está de acordo nem com o velho Consenso de Washington nem com nada que qualquer economista em Washington agora considere razoável. Essas são as duas diferenças mais concretas que me vêm à mente entre o que o Brasil está fazendo e as recomendações que eu estou articulando.
Folha - Mas a política de câmbio, parece, está mais ou menos de acordo com o que sr. julga recomendável?
Williamson - Bem, você não pode fazer muito com a política de câmbio quando a política fiscal está em desordem e quando as taxas de juros são muito altas como no caso brasileiro.
Isso impede uma política de câmbio apropriada. Eu não acho que o governo brasileiro esteja mantendo alta a taxa de câmbio de maneira artificial como fez o México. O Brasil ainda está conseguindo reservas. Mas a tendência é que é preocupante. No entanto, não creio que alguém possa fazer qualquer coisa na política de câmbio se não houver as mudanças necessárias na política fiscal.
Folha - Qual a sua opinião sobre a reforma agrária no Brasil?
Williamson - Pelo menos de uma forma modesta, a questão de tornar menos desigual a distribuição da propriedade rural está colocada na agenda do governo. Para mim, a reforma agrária é inteiramente consistente com as recomendações que faço sobre o direito de propriedade e só pode contribuir para aumentar a equidade no país.
Folha - E sobre a questão ambiental?
Williamson - Curitiba está ganhando atenção mundial e admiração de todos pela maneira inovadora como conseguiu desenvolver um sistema de transporte urbano que é ao mesmo tempo barato, ecológico e eficiente.
Nenhuma outra cidade no mundo havia conseguido isso antes. Curitiba está mostrando o caminho, e eu não vejo nenhuma razão que impeça os outros países da América Latina de seguirem esse caminho.

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