São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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Maiane é enfermeira e sonha com cirurgia

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi num baile de sábado à noite, em Santa Bárbara, na Bahia, que ela decidiu abandonar seu nome de homem.
Estava tocando a música "My Any". "Daquele momento em diante, passei a ser Maiane."
Na época, tinha 14 anos. Em maio passado, com 30 anos, Maiane estava entre as auxiliares de enfermagem formadas pelo Hospital Emílio Ribas. A entrega dos certificados foi no salão de festas do sindicato.
No certificado e na carteira do Conselho Regional de Enfermagem, Maiane conserva o nome de homem, que prefere não revelar.
Para fazer o curso no Emílio Ribas, ela conseguiu um crachá provisório com o nome de Maiane. Nenhum paciente desconfiou.
Agora, em busca de trabalho, Maiane está se defrontando com a realidade. "Nenhum hospital aceitará uma enfermeira com nome de homem", diz. Muito menos com genitais masculinos. Enquanto sonha com a cirurgia e a troca de nome, Maiane trabalha como enfermeira em casas de família.
Sua vida já foi pior. A primeira vez que o pai, crente, soube que estava "namorando" um menino, Maiane levou uma surra. Ela estava com 14 anos e morava em Santa Bárbara. A cidade toda sabia que queria ser mulher.
Tinha 18 anos quando foi expulsa de uma escola religiosa, e o pai, com uma enxada, rasgou as roupas femininas que vestia.
Maiane fugiu para Feira de Santana, onde conheceu David, com quem viveu por quatro anos. "As pessoas nos tratavam como marido e mulher."
Orientada por médicos, Maiane passou a fazer tratamento com hormônio e psicoterapia no Hospital das Clínicas de Salvador.
Tudo estava pronto para a cirurgia quando o Conselho Regional de Medicina deu parecer contrário.
"Minhas esperanças se acabaram, o David foi embora, eu tentei me matar. Só retomei coragem aqui em São Paulo."
Maiane sonha com um emprego e com o direito de fazer uma cirurgia. "As pessoas nos confundem com bichas, com travestis, até os porteiros de edifícios que pedem documentos nos humilham. Temos o direito de ser reconhecidas socialmente."
(AB)

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