São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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Coréia resiste à liberalização financeira

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O mundo ficou chocado com a notícia da condenação de dois ex-presidentes, um deles à morte, colocando o sistema político sul-coreano e suas complexas ramificações empresariais sob suspeita.
Logo vieram à lembrança também as análises e notícias cada vez mais insistentes mostrando que o desempenho econômico do "tigre asiático" já não é o mesmo. Na semana passada, mais uma ducha de água fria: a pretensão da Coréia do Sul de entrar para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países ricos, entrou em compasso de espera.
O impasse, noticiado pelo "Financial Times" da última sexta-feira, deve-se à resistência dos coreanos a abrirem o seu sistema financeiro. Entre os motivos, um que é cada vez menos original. Temem que uma excessiva liberalização aumente os riscos da Coréia transformar-se num México asiático, ou seja, um país sujeito aos humores inconstantes dos fluxos financeiros internacionais. Poucos dias antes, a revista inglesa "The Economist" já havia alertado para os riscos de surgirem novos "Méxicos" no pólo asiático.
A Coréia do Sul participa desde 1989 no "Policy Dialogue" (Diálogo sobre Políticas) que a OCDE franqueia aos emergentes. É membro pleno ou observador na maioria dos comitês e pediu formalmente para tornar-se membro em 1995. A negociação está em curso.
O México tornou-se membro em maio de 1994, alguns meses antes do colapso. Parece que a síndrome do "efeito tequila" volta a atacar.
O receio é mútuo, mas o xis da questão agora é o grau de abertura do sistema financeiro coreano. Christian Schricke, burocrata sênior da OCDE na área legal e negociador do acordo preliminar para a entrada da Coréia na instituição, comunicou às autoridades sul-coreanas na semana passada que o país deve aceitar uma abertura maior do seu mercado de capitais se quiser integrar-se ao clube das nações mais avançadas do planeta.
Seul respondeu dizendo que não pode atropelar as resistências políticas domésticas. A decisão da OCDE deve sair neste mês. Provavelmente a Coréia será aceita, mas sob fortes recomendações que sinalizem o quanto seu "modelo" econômico está longe do ideal.
Seletividade
A história do sistema financeiro coreano registra uma forte intervenção estatal, via políticas de crédito seletivo e contenção das taxas de juros para estimular o crescimento econômico. A tal ponto o "milagre coreano" era alheio aos princípios mais ortodoxos que o país virou uma espécie de antiexemplo, o caso preferido dos teóricos da chamada "repressão financeira". Segundo essa teoria, a intervenção do governo nos mercados de capitais ou na definição da taxa de juros distorce o funcionamento da economia capitalista.
Desde os anos 60 existem pressões para que a Coréia do Sul atenda às descobertas desses teóricos e liberalize o seu sistema financeiro. A liberalização ocorreu, mas de modo gradual e sempre seletivo.
Agora as autoridades coreanas respondem à OCDE com a mesma lógica: querem estabelecer um cronograma, uma sequência, condições que implicam retardar por alguns anos a plena abertura do mercado de capitais.
O "Financial Times" informa que em julho o governo coreano fez uma oferta final, dizendo que aceitaria a abertura completa do mercado de títulos e a liberalização dos fluxos de capital apenas depois que fosse possível atender a uma condição fundamental: reduzir a diferença entre os juros internos, ainda bastante elevados, e os externos a 2 pontos percentuais. Atualmente a diferença é da ordem de 6 a 7 pontos percentuais.
Como se sabe, esse diferencial de juros atrai capitais sedentos de retorno alto em prazo curto, mas sem compromisso com o investimento em capacidade produtiva.
Na Coréia do Sul, além da oposição, parece que a própria imprensa está contra uma liberalização apressada, com medo da "mexicanização" do sistema financeiro nacional.
Parece que os coreanos temem, muito mais que a "repressão financeira", a depressão financeira propriamente dita.

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