São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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Artista pré-histórico europeu preferia pintar rocha ao ar livre

JAIR RATTNER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os artistas pré-históricos europeus preferiam pintar ao ar livre e não nas "galerias" naturais formadas pelas cavernas. A descoberta das gravuras em pedra nas margens do rio Côa, em Portugal, está mudando a forma como os arqueólogos avaliam a arte rupestre na Europa e a ocupação da península ibérica há 30.000 anos.
Até a década de 80, acreditava-se que na Europa durante o período paleolítico as gravuras eram feitas apenas em grutas e cavernas.
Com as descobertas do Côa, os arqueólogos avaliam que a principal arte rupestre era feita ao ar livre e as gravuras em grutas seriam uma exceção.
Na França, onde foram feitas as primeiras descobertas de arte rupestre, as pinturas em exteriores não teriam resistido à erosão ocorrida durante a última era glacial, que terminou há cerca de 10.000 anos.
Maior acervo
O acervo de Foz Côa foi descoberto em 1992. Apenas este ano começaram os estudos. Antes de Foz Côa avaliava-se que o principal conjunto de gravuras rupestres existentes estava localizado na gruta de Lascaux, na França, que tem cerca de 1.000 desenhos. No vale do Côa foram achados 14 núcleos ao longo de 17 quilômetros e apenas um, o da Canada do Inferno, tem mais de 1.000 gravuras.
Antes das descobertas no rio Côa, os arqueólogos acreditavam que o Homo sapiens sapiens se concentrava no litoral e que o interior não tinha condições favoráveis para a vida dos grupos humanos daquele período.
"Essas descobertas indicam que é provável que o interior e o Vale do Douro tivesse maior população que o litoral", afirma o arqueólogo João Zilhão, diretor do Parque Arqueológico de Foz Côa.
Segundo Zilhão, o vale reúne 300 séculos de arte rupestre. Existem gravuras desde o final do período aurinaciano (de 40.000 a 27.000 anos atrás) até o século 20.
A maior parte das gravuras é do período magdaleniano -de 18.000 a 12.000 anos atrás.
Quadrinhos
A arte rupestre do Côa apresenta inovações no estilo. Algumas das gravuras têm duas ou três cabeças associadas a um corpo, tentando transmitir a idéia de movimento. "É uma técnica semelhante à usada hoje em histórias em quadrinhos", diz Zilhão.
A maior parte das gravuras rupestres retrata animais terrestres, como cavalos, auroques -boi selvagem, extinto no século 17- e cabras montesas, mas também existem peixes e figuras humanas. Na região também foram encontrados vestígios arqueológicos dos habitantes do gravettense final -há cerca de 22.000 anos.
Política e hidrelétrica
A formação do Parque Arqueológico do Vale do Côa representou uma vitória sobre a tentativa de construir uma barragem no rio Côa. Encomendada pela empresa Electricidade de Portugal, a barragem deveria regularizar o volume de água do rio Douro -de que o Côa é afluente- para o aproveitamento hidrelétrico.
As primeiras gravuras nas rochas foram encontradas em 1992, durante o levantamento arqueológico obrigatório feito antes da construção da barragem. Os relatórios desse levantamento não foram publicados e a empresa começou as obras.
Em 1994, começou a luta dos arqueólogos portugueses para a preservação das gravuras.
A questão tornou-se um dos temas da luta política em Portugal e, quando os socialistas ganharam as eleições, no final do ano passado, uma das primeiras medidas foi suspender a barragem -apesar de já terem sido investidos 40 milhões de dólares.
Atualmente, só é possível visitar a três dos 14 núcleos de gravuras encontradas: Penascosa, Canada do Inferno e Quinta da Barca.
Ao todo, o parque segue os 17 quilômetros ao longo do rio, com uma largura de 10 quilômetros.

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