São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
Próximo Texto | Índice

Mao "sobrevive" na China capitalista

JAIME SPITZCOVSKY
DE PEQUIM

Mao Tse-tung, que governou a China desde a vitória da revolução comunista em 1949 até sua morte, há 20 anos, continua a pairar sobre seu país como um semideus.
O culto ao "Grande Timoneiro" sobrevive, por exemplo, em superstições e no mausoléu que abriga seu corpo embalsamado em Pequim, embora o governo tente mostrá-lo como um "líder supremo que também cometeu erros".
Mao, que morreu em 9 de setembro de 1976, entrou para a história como o principal personagem da China moderna e como mago de um culto a sua personalidade que atravessou fronteiras chinesas e incendiou o país com a violenta Revolução Cultural.
Num regime marcado pela repressão, a China testemunhou também a morte de pelo menos 28 milhões de pessoas numa onda de fome provocada pelo "Grande Salto para a Frente". O plano, do final dos anos 50, fracassou ao tentar acelerar a industrialização e destruiu a agricultura.
Em vida, Mao foi reverenciado como uma divindade que levava a China a um "futuro brilhante" e a salvava da opressão dos regimes pré-revolucionários. Depois da morte do "Grande Timoneiro", a fé maoísta perde intensidade, mas não desaparece.
Na China dos anos 90, marcada pelas reformas pró-capitalismo, manifestações de glorificação de Mao ganham contornos de superstição. Taxistas em Pequim penduram a foto do líder morto no espelho retrovisor, para ter sorte.
Na Província de Shaanxi (norte), camponeses da região de Jingbian recolheram 100 mil yuans (US$ 12 mil) em doações e construíram um templo em homenagem a Mao.
Um restaurante em Pequim acendia velas e colocava dinheiro junto a uma pequena estátua do "Grande Timoneiro", esperando que a prática ajudasse a trazer mais clientes. A polícia proibiu o culto.
O Partido Comunista caminha sobre uma linha fina. Busca impedir a deificação de Mao, na luta contra "superstições feudais", e tenta mostrá-lo como "um ser humano que errou". O PC teme que uma rejeição a Mao Tse-tung signifique também o questionamento de sua legitimidade atual no poder.
O PC desmontou a maioria de estátuas e fotos de Mao que lotavam praças e repartições públicas, mas mantém a imagem do líder em pontos estratégicos. A praça Tiananmen convive com o mausoléu e um enorme retrato de Mao na entrada da Cidade Proibida, a antiga residência imperial.
O PC chinês, que em 1978 optou por reformas pró-capitalismo para salvar a economia, recorre à matemática em sua avaliação de Mao. O "Grande Timoneiro" teve 70% de acertos e 30% de erros, sentenciam os historiadores oficiais.
Mao trouxe como acertos a expulsão do imperialismo e implantação de um sistema socialista sem seguir modelos estrangeiros, avalia o historiador Hu Sheng.
Os erros: subestimar a importância da economia e de laços econômicos com outros países, além de lançar o país na turbulência da Revolução Cultural (1966-1976).
O PC rotula esses anos de radicalização do comunismo como "uma década de catástrofe".
As críticas, no entanto, não podem ultrapassar a linha oficial, e o governo reage rapidamente aos ataques a Mao, como no episódio da publicação de "A Vida Privada do Presidente Mao".
Escrito por Li Zhisui, médico particular de Mao que viveu exilado nos EUA, o livro sustenta que o dirigente chinês acreditava em sexo com jovens mulheres como "elixir" para prolongar a vida e que tinha "várias amantes".
O governo chinês lançou ofensiva ao refutar com veemência a tese do livro, proibi-lo na China e argumentar que Li era um "simples integrante" da equipe médica presidencial que raramente via Mao.

Próximo Texto: A longa marcha de Mao
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.