São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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Nova York acha emprego no lixo

GILBERTO DIMENSTEIN

As ruas de South Bronx, em Nova York, ganharam fama internacional por suas gangues, traficantes, tiroteios, em meio a prédios, escolas e igrejas em ruínas.
Preparam-se agora para virar cenário de uma experiência ecológica que vai atrair a atenção mundial, ao ganhar uma fábrica de papel reciclado, estimada em US$ 500 milhões -é o maior investimento em indústria de manufatura na cidade desde a Segunda Guerra Mundial.
A experiência produz um coquetel de novidades: ecologistas se transformam em industriais, preservam o meio ambiente, geram empregos e prometem generosos benefícios sociais aos trabalhadores.
O charme da idéia começa no próprio desenho da fábrica, encomendado à artista plástica Maya Lin, a filha de chineses que criou em Washington o monumento aos mortos da Guerra do Vietnã.
Escolha apropriada. O desemprego transformou os bairros americanos, entre eles o South Bronx, em campos de guerra.
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O projeto partiu de um dos principais e mais radicais grupos norte-americanos a favor da ecologia (Conselho de Defesa dos Recursos Naturais) -um pessoal considerado, até então, apenas destruidor de indústrias.
Eles resolveram mostrar como é possível criar empregos sem estragar o meio ambiente. Tinham a seu favor a possibilidade de criar uma fábrica ao lado do que chamam a "maior floresta urbana do planeta", graças às montanhas de papel consumidas em Manhattan.
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Buscaram apoio em várias frentes. Ganharam a adesão de engenheiros ecológicos dispostos a desenhar um projeto não-poluente, alguns deles ligados ao Greenpeace. Da Europa veio a promessa de investimento, e jornais americanos se dispuseram a comprar a produção, entre eles o "The New York Times".
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Para completar as alianças, eles se uniram a uma organização chamada Banana Kelly, no South Bronx (leia na página 3-2), indicada este ano pela ONU como uma das dez melhores experiências urbanas do mundo.
Banana Kelly -nome da rua em que o projeto começou- está mudando a cara de um bairro que parecia inapelavelmente perdido, habitado por imigrantes pobres e negros desempregados.
Com ajuda da comunidade, prédios foram reformados, jardins construídos, tiraram lixos das ruas, consertaram as escolas, atraíram centros de saúde.
Pequenos negócios voltam lentamente, a comunidade ficou mais exigente, a polícia mais atuante. Resultado: a criminalidade despencou.
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South Bronx é, hoje, um excepcional laboratório a céu aberto. Na semana passada, vi ex-integrantes de gangues ou ex-drogados reconstruindo um apartamento, num projeto profissionalizante do Banana Kelly. Os jovens aprendem de marcenaria a pintura, passando pela eletricidade e instalação de encanamentos.
Os garotos contaram que seu orgulho não era mais contar quantos surraram. Mas mostrar aos amigos e familiares os prédios que reformaram, embelezando o bairro.
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A experiência ensina que, pior do que a pobreza, o desemprego é a maior praga social. Destrói a auto-estima dos indivíduos, desestabiliza as famílias, abre os braços para a delinquência, corta as perspectivas de progresso pessoal, gera camadas de ressentimento provocadas pela sensação de marginalidade.
South Bronx já foi um aprazível lugar, mas, com o desemprego provocado pela fuga das indústrias, entrou no círculo vicioso da miséria.
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South Bronx nos dá muitas lições. Mostra que não é impossível recuperar áreas degradadas, desde que a comunidade reaja e consiga suporte público.
Mostra também como o desemprego cria zonas de guerra.
Recado: não existe paz social com desemprego. Ainda mais, como no Brasil, sem rede de proteção.
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Uma das bobagens brasileiras, disseminadas pelo governo federal, com ressonância entre economistas, é considerar o desemprego pela média. A média, alegam, indica uma taxa razoável, bem menor do que na Europa.
Aqui nos EUA também o desemprego médio é baixo. Mas, em certos lugares, é alto, gerando campos de batalha em torno das grandes cidades. Entre jovens de alguns bairros americanos chega a 60%. É daí que saem as manchetes sobre crimes.
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Na semana passada, o Brasil viu boas notícias. Com o Plano Real, segundo o IBGE, melhorou o rendimento médio dos trabalhadores. É, de fato, um avanço. Mas não dá para comemorar.
Falta muito para um patamar mínimo de civilidade. Basta comparar com o South Bronx, um dos símbolos da pobreza norte-americana.
Uma família com dois filhos ganha, em média, US$ 1.000; sem contar a ajuda governamental em alimentos, aluguel e dinheiro.
O miserável do South Bronx seria quase um "classe média" no Brasil, onde apenas 10% dos trabalhadores ganham mais de US$ 2.000 por mês.
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PS - Estamos ainda tão mal que os que ganham acima de US$ 2.000 (menos do que um motorista de táxi em Nova York) estão na categoria dos "10% mais ricos". Pelo jeito, no Brasil é tão fácil ser rico como pobre.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212) 873-1045

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