São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996
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A moda das reeleições

JORGE CASTAÑEDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Seria absurdo culpar o governo anterior do México, presidido por Carlos Salinas de Gortari, por todas as adversidades que afligem o país hoje. Pior ainda seria atribuir às intenções não comprovadas de um mandatário fatores críticos tais como a crise econômica infindável, a espiral ascendente de violência, a crescente desigualdade de renda e o naufrágio generalizado.
Mas são tantos os políticos mexicanos argutos e bem informados, e tantos os casos latino-americanos análogos, que não se pode deixar de pensar que o empenho de Carlos Salinas em conseguir a primeira reeleição de um presidente mexicano desde Alvaro Obregón, em 1928, explica calamidades.
Desconfia-se no México que primeiro Salinas quis modificar a Constituição e ser reeleito em 1994. Depois, quando isso se revelou impossível, especulou-se que ele teria indicado Luis Donaldo Colosio como candidato do PRI para que este permitisse o retorno de seu predecessor, em 1998.
Quando Colosio morreu, acreditou-se que Salinas indicou Ernesto Zedillo em seu lugar e negou-se a facilitar sua sucessão para colocar-se na reserva, quando a inexperiência do sucessor e as dificuldades econômicas estourassem.
Talvez convenha fazer uma breve reflexão sobre uma nova moda política latino-americana: a reeleição presidencial. Existia, até pouco tempo atrás, uma tradição -breve, porém forte- que a proibia, tanto no México (desde 1928) quanto na Argentina (depois da reeleição de Perón, em 1952), no Brasil, no Peru e na Colômbia.
Na Venezuela, a reeleição é permitida -vem daí o fato de Rafael Caldera ser presidente outra vez, embora após um intervalo de dois mandatos, como foi o caso de Carlos Andrés Pérez em 1988.
Mas de repente vários governantes latino-americanos se propuseram a modificar as disposições constitucionais de seus respectivos países e reeleger-se, oferecendo justificativas para sua atitude.
A mais citada é a do prazo necessário para executar um programa de governo bem-sucedido: quatro, cinco ou mesmo seis anos não são o suficiente. Outro argumento que costuma ser apresentado é perguntar "por que não" -se a reeleição é permitida em todas as democracias, por que a norma não vigoraria na América Latina?
Alberto Fujimori mudou a Constituição peruana uma vez, foi reeleito, e agora voltou a emendá-la, sem dúvida para poder candidatar-se à Presidência outra vez no ano 2000. Se tudo correr conforme seus desejos, Fujimori terá permanecido 15 anos no poder por via das urnas, mais do que muitos ditadores retratados na literatura latino-americana. Carlos Menem conseguiu o aval de parte da oposição para mudar a Constituição e no ano passado se reelegeu.
Agora é Fernando Henrique Cardoso quem instruiu os deputados de sua coalizão para que antes das eleições municipais se modifique a Constituição, garantindo a possibilidade de um segundo mandato. Mas o que é que acontece nesses países?
No Peru, o Sendero Luminoso ressurge, as acusações de conluio entre os principais assessores presidenciais e o narcotráfico abalam o governo, a economia deixa de crescer devido ao desequilíbrio insolúvel das contas externas.
Na Argentina, a economia não consegue sair da recessão supostamente provocada pelo "efeito tequila", as disputas internas no menemismo se acirram, a oposição se une. Todos -políticos, empresários, diplomatas- se perguntam como um presidente desgastado e isolado, cujo índice de aceitação popular caiu para 19%, poderá governar por mais três anos e meio num país onde os problemas se acumulam e as soluções demoram cada vez mais.
E o caso do Brasil, por último, dá muito o que pensar. Ninguém pode questionar as credenciais democráticas de Fernando Henrique Cardoso; tampouco soa absurdo o postulado segundo o qual ele precisa de mais tempo para levar a cabo as reformas que propõe. Se os brasileiros não estiverem de acordo com seu programa, poderão votar em outro; se apoiarem seu projeto, convém que lhe dêem o tempo e a força necessários.
Apesar disso, porém, é evidente que a proposta provocou amplo mal-estar entre a classe política brasileira; antigos partidários dele, como Itamar Franco e Ciro Gomes, se opuseram, e as sondagens de opinião, pelo menos no Estado de São Paulo, revelam um eleitorado cético e contrário à reeleição.
Como diz o ditado mexicano, para Cardoso e seus colegas latino-americanos o molho pode sair mais caro do que as almôndegas: o custo com que terão que arcar para obter a reeleição pode ser maior do que os benefícios da mesma.
Talvez os latino-americanos reajam de maneira estranha a um dos principais denominadores comuns -a aprovação externa por executar um projeto pró-comunidade financeira internacional.
Primeiro eles votam, depois se arrependem; as consequências da permanência longa no poder demoram a se manifestar, depois passam a assolar esses países.
Se essa espécie de maldição regional existe, não deixa de ter justificativa: em um continente onde os governantes se eternizaram no poder, talvez seja preciso esperar mais tempo até que as sociedades, em sua sabedoria silenciosa e intuitiva, aceitem ambições continuístas, por mais democráticas que possam parecer. É preferível pecar por excesso de memória que por recordações frívolas e fugazes.

Tradução de Clara Allain

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