São Paulo, domingo, 8 de setembro de 1996 |
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'Grande Júri' dribla baixaria ao debater união gay
FERNANDO DE BARROS E SILVA
O tema em questão era o projeto da deputada Marta Suplicy (PT-SP), que prevê o reconhecimento da união civil entre homossexuais pelo Estado. De um lado, contra o projeto, estava o general da reserva Newton Cruz. Do outro, defendendo-o, o antropólogo Luiz Mott, professor universitário e atuante líder da causa gay no país. No centro, além do apresentador da emissora, o juiz Alyrio Cavallieri, presidindo o "julgamento". Pelo telefone, o público participava votando a favor de uma ou outra posição. No auditório, pessoas funcionavam como "testemunhas" de acusação ou defesa do projeto em questão. Para surpresa dos mais céticos, o programa funcionou, e muito bem. Salvo engano, não houve na TV um debate antes deste que tenha ido tão longe no mérito da questão, nem que tenha trazido à tona os preconceitos e dificuldades que o tema envolve. O general Newton Cruz nunca esteve tão cordato. Personagem polêmico, sobre o qual pairam os estigmas da intolerância e da truculência, ele esgrimiu seus argumentos respeitando as regras da civilidade. A ponto de Mott, ao final do programa, dizer-se "muito contente com a elegância do debate". Tradicionalista, seu principal argumento se ateve ao fato de que o projeto de Marta Suplicy seria inconstitucional na medida em que violaria o conceito de família previsto pela Constituição. Menos preocupado com legalismos, Mott usou seu tempo para desfazer alguns mitos e tornar público o preconceito e perseguição (física, inclusive) de que são vítimas os homossexuais diariamente. O formato do programa, simulando um julgamento, merece um par de comentários. Se, por um lado, ele permite a cada parte que exponha à exaustão seus argumentos, coisa raríssima na TV, por outro ele engessa o debate numa espécie de "legalismo jurídico" que só aparentemente é neutro. Para ir direto ao ponto: ninguém -a não ser, obviamente, o general Newton Cruz- é contra a união civil de homossexuais porque ela "fere" a Constituição. O problema tem outro nome, como se sabe. Aqui, para que não se perca o país real de vista, é bom lembrar um episódio recente envolvendo o deputado Severino Cavalcanti (PFL-PE) e Toni Reis, presidente do grupo gay Dignidade, de Curitiba. Toni foi convidado a debater o projeto de Marta Suplicy numa Comissão da Câmara. No meio da sessão, o deputado Cavalcanti dirigi-lhe a seguinte questão: "V.Sa. é homossexual ativo ou passivo?". Diante da ironia da resposta (a ignorância se responde com ironia), o deputado prosseguiu: "Quero ouvir a resposta, porque aí vou decidir se devo ou não continuar ouvindo". Alguém um pouco menos bem-humorado que Toni poderia perguntar, invocando, aí sim, a Constituição que o general Newton Cruz quer preservar, se o sr. Severino Cavalcanti, cujo salário é pago pelo contribuinte para que ele exerça suas funções legislativas, tem o direito de desrespeitar a dignidade de quem pensa e age em desacordo com suas convicções. Em meio a tanto obscurantismo, "O Grande Júri" foi uma boa novidade. Deveria servir de parâmetro para certos gorilas de terno e gravata que invocam a ordem e a lei enquanto vão tripudiando sobre a Constituição, resguardados pelas regalias que lhes dá o Congresso. Próximo Texto: CARTAS Índice |
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