São Paulo, segunda-feira, 9 de setembro de 1996
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O Brasil global e a música

LUÍS NASSIF

O economista desdobra fibra por fibra o coração, em acordes nacionalistas, para lembrar que o ex-ministro Dilson Funaro foi o único que não adotou posição de inferioridade em relação aos olhos azuis dos gringos. Botou pra quebrar!
O que o Brasil ganhou ou perdeu com isso é mero detalhe nesse jogo retórico. O que importa foi o ato heróico de transformar um caixa quebrado em grito de independência ou calote -mesmo continuando a depender do credor.
Tomado de furor patriótico, outro economista interpreta as recomendações de John Williamson sobre a economia latino-americana como intromissão de colonizador.
Nada de tratar Williamson como pensador notável, ou mero chato de galochas, enfim, com os critérios com que pessoas costumam tratar seus iguais. Onde está, afinal, o complexo de inferioridade?
No mundo real, na linha de frente da grande batalha da globalização, o jogo é outro.
Num front, milhares de empresas e setores do país estão se preparando diuturnamente para a briga da globalização -mesmo prejudicados pelas loucuras das políticas monetária e cambial do ano passado.
Analisam experiências estrangeiras, incorporam e adaptam seus conhecimentos gerenciais, passam a entender a importância do design, o bom uso da informática, as novas tecnologias, a busca da qualidade e da produtividade. Identificam novas oportunidades de negócios, mas trabalham de olho nos seus próprios indicadores.
Essa é a diferença entre o pragmatismo criador e o complexo de coitadinho -ainda presente nesse saudosismo estéril com que parte da inteligência nacional enfrenta a inevitabilidade da globalização.
No front cultural, ocorre o mesmo renascimento.
Templo da globalização musical, a MTV mostra o clipe de Chico César direto de Catolé do Rocha, na Paraíba, mostrando seus pais ao mundo -autênticos matutos brasileiros, com suas danças maravilhosas.
Depois, entra Marisa Monte cantando Carlinhos Brown, com cenas cinematográficas filmadas no sertão da Bahia de acordo com as boas técnicas dos videoclipes internacionais.
Esses novos ingredientes colocados a serviço de uma enorme criatividade, sem as amarras culturais anteriores, resulta numa síntese brasileira de qualidade internacional. E no renascimento cultural do país.
Não se trata de moda passageira da MTV. Um dos aspectos centrais dos processos de globalização é o reforço das culturas nacionais, como fator essencial para manter a nacionalidade.
A globalização embute padronização de produtos e métodos gerenciais.
Essa "commoditização" se refletirá igualmente nos valores internacionais. Preocupações com democratização, ecologia, direitos humanos, valorização das iniciativas individuais, controle do Estado pela sociedade e aí por diante.
E está sendo ampliada pela própria mobilidade da população, que faz com que coexistam vários Brasis -o da rua 46 em Nova York, o de Boston, o do Japão e o Brasil daqui mesmo.
Como manter a integridade de tantos Brasis? Mais do que em qualquer outra fase da vida nacional, a cultura nacional -e, dentre suas manifestações, a música- será fator essencial de afirmação nacional.
Daí a necessidade de o ministro da Cultura sair dos salões e pensar decididamente na música popular como elemento essencial para manter a identidade desses vários Brasis, assim como para afirmar o Brasil diante do novo mundo global.
Os pais de Chico César têm mais importância na afirmação da nacionalidade do que a retórica complexada dos nacionalistas de salão ou dos internacionalistas da dance music.

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