São Paulo, segunda-feira, 9 de setembro de 1996
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A las cinco de la tarde

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A secretária tinha ido resolver um problema na cidade. Sozinho na sala, o telefone tocou. Garantem que o maior ódio da história, a se acreditar em Shakespeare, foi o que separou Montecchios e Capulettos em Verona. Se o bardo conhecesse meu ódio pelo telefone (o telefone também me odeia), teria feito peça melhor.
São diferenças antigas e renovadas. Quando preciso do telefone, ele nunca dá linha. E, quando dá, recebo aquele ruído que indica "ocupado". Se não está ocupado, quem procuro não está. Toda vez que atendo, vem abacaxi certo. Cobrança de compromissos que esqueci, convites que não posso ou não quero aceitar. E, acima de tudo, más notícias.
Pois a secretária saiu da sala, o telefone tocou, e, desavisadamente, atendi. No outro lado da linha, notei surpresa na voz da mulher que perguntou se eu estava. Aproveitando os restos de privacidade que acabará com os videofones, disse que não, não estava nem sabia quando eu ia chegar.
A voz fez uma pausa, como se não acreditasse. Perguntou se podia deixar um recado. Criei dificuldade, disse que estava ali de passagem, mas se acaso me encontrasse comigo mesmo, teria prazer em transmitir o recado.
Fiquei sabendo que ela me escrevera uma carta, cinco meses atrás. E que escrevera outras, reiterando a primeira. Propunha um pacto que me ajudaria a vencer meus desencantos, aliviar minhas tristezas, consolar meus desencontros. Todos os dias, às cinco em ponto da tarde, como no poema de Garcia Lorca, eu pararia o que estivesse fazendo e pensaria nela. Por sua vez, no mesmo horário ela pensaria em mim. Faríamos uma corrente ("pode ser uma corrente mental, ou um simples ato de amor").
Não me custava dar o recado a mim mesmo. Só não podia dar uma resposta. Pensar nela não será difícil. Difícil será pensar em mim mesmo às cinco horas da tarde.

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