São Paulo, segunda-feira, 9 de setembro de 1996
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Não à reeleição

JOSÉ DIRCEU

A defesa da emenda constitucional propondo a reeleição de FHC, dos atuais governadores e futuros prefeitos é uma irresponsabilidade política. Ela prova o crescente autoritarismo da coalizão PSDB-PFL e o apego pessoal ao poder por parte do presidente, que transformou a defesa de sua reeleição numa obsessão política.
Trata-se de um evidente casuísmo político. Na verdade, a discussão não é sobre o instituto ou a forma constitucional que garanta aos chefes de executivos, em regime presidencialista, uma reeleição. Mas, sim, sobre a permissão da reeleição, em 1998, do presidente e dos atuais governadores e, no ano 2000, dos prefeitos a serem eleitos neste ano. É puro continuísmo.
Do ponto de vista da agenda social e econômica, a irresponsabilidade é ainda maior. Os verdadeiros problemas que o país tem que enfrentar vão ficando para segundo plano. Priorizar a reeleição, num momento em que o governo demonstra passividade frente ao agravamento do quadro econômico e social, e sua política econômica artificial mostra seus limites e esgotamento, como reconhecem até seus apoiadores, é simplesmente um crime.
Salta à vista o escandaloso retrocesso político e cultural embutido na tese da reeleição. Vai na direção do poder individual, fortalecendo a tendência autoritária, a centralização crescente do governo FHC e da coalizão PSDB-PFL.
Os governos dependem do chefe do Executivo, de suas propostas, qualidades, sua autoridade e sua liderança. Não das instituições democráticas, dos partidos, dos programas, das alianças, do controle social e da participação da sociedade. Para um presidente e um partido parlamentaristas, a proposta de reeleição é uma incoerência total e revela seu caráter oportunista.
Tudo é agravado pela vaidade pessoal e obsessão política de Fernando Henrique Cardoso. Há meses o país assiste, após a queda de popularidade do governo e o crescente desmonte da imagem do presidente, a uma crescente e avassaladora campanha publicitária enganosa e reveladora e à volta do uso da máquina administrativa e dos recursos públicos para favorecer o governo federal e suas candidaturas.
A lista é interminável: em um mês, se distribuíram mais leite e cestas básicas que durante todo o primeiro semestre deste ano; R$ 800 milhões em convênios às vésperas da eleição para prefeitos, principalmente em municípios governados pelo PSDB; propaganda enganosa do Real, desmascarada por conter números falsos; uso de dados da pesquisa domiciliar do IBGE, que favoreceu o governo, escondendo números negativos; o mirabolante e virtual Plano de Metas do sr. Kandir e a vergonhosa negociata com a Igreja Universal do Reino de Deus, na pior tradição de trocar voto e apoio por concessões de rádio e TV; e, por último, a manipulação de pesquisas sobre reeleição, desmentidas por outros institutos.
O quadro político do país é outro, não o idealizado pelos donos do condomínio do poder, ou o vendido pela falsa propaganda dos projetos de impacto do Planalto. As lutas sociais pela reforma agrária, liderada pelo MST e pela Contag, a resistência contra o desemprego e em defesa de direitos sociais, dirigida pela CUT e outras centrais, continuarão crescendo.
E, para o ano que vem, sem a tradicional demagogia eleitoral das elites e contando com o apoio da classe média e da pequena empresa, essas lutas tendem a fortalecer-se.
Por isso, a pauta política do país para o ano que vem não será reeleição, mas sim um projeto para o desenvolvimento nacional. O debate político será em torno das saídas para os impasses criados pela política econômica do governo FHC, crescimento com distribuição de renda, eficiência econômica com justiça social, globalização sem desemprego e exclusão.
No plano das reformas políticas, a prioridade é a fidelidade partidária, o sistema eleitoral e o financiamento público das campanhas, a regulamentação da Câmara e o papel do Senado, o próprio presidencialismo e a Federação.
Fica evidente que a proposta de reeleição para o atual presidente da República é um grave erro, não serve ao país nem à democracia. Apenas ao presidente FHC e ao PFL, que depende de máquina estatal para perpetuar-se no poder, na pior tradição elitista, autoritária e oligárquica das elites brasileiras.
E que o governo FHC consegue levar ao paroxismo ao propor que os ex-presidentes se transformem em senadores vitalícios.
O Brasil não pode aceitar a mesquinhez da discussão e do debate personalista e a luta pelo poder dentro das oligarquias. Só um amplo movimento suprapartidário e nacional pode construir uma alternativa à coalizão PSDB-PFL e ao atual modelo neoliberal.

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