São Paulo, terça-feira, 10 de setembro de 1996
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A volta do populismo?

CELSO PINTO

Depois do enorme sucesso em derrubar a inflação e abrir a economia, uma nova sombra voltou a preocupar analistas internacionais em relação à América Latina: os claros sinais de descontentamento político, em vários países, com os decepcionantes resultados sociais. Em uma palavra, surgiu o temor de que os populistas voltem a tomar o lugar dos reformistas na região.
Um exemplo expressivo desse tipo de preocupação, comum a instituições multilaterais e financeiras, é o artigo escrito para a "Carta Econômica" do Unibanco pelo economista Sebastian Edwards. Até abril deste ano, Edwards era o economista-chefe para a América Latina do Banco Mundial. Hoje é professor da Universidade da Califórnia.
Edwards parte da constatação de que, "após anos de reformas -em muitos casos, mais de uma década-, a região (latino-americana) tem pouco a mostrar em termos de melhoria do desempenho econômico e das condições sociais. A pobreza não foi reduzida; o crescimento foi modesto, se tanto; em muitos países, os salários reais estão abaixo dos níveis de 1980; e a criação de novos empregos tem sido lenta".
O grande sucesso foi reduzir a inflação, uma conquista que premiou politicamente alguns reformistas, como o presidente Carlos Menem, na Argentina. "Na maioria dos países, contudo, a euforia com a queda da inflação está começando a arrefecer", lembra Edwards. O que aumenta o risco de um "retrocesso populista".
Edwards culpa três fatores pela falta de crescimento: juros reais muito elevados, desemprego alto ou crescente e falta de dinamismo das exportações. O que fazer?
A razão dos juros altos, argumenta Edwards, é a falta de um ajuste fiscal adequado, cujo exemplo maior é o Brasil. Sem ele, o governo acaba se apoiando numa política monetária muito apertada, juros altíssimos, o que impede o crescimento e aumenta o risco de crises bancárias sérias. Essa combinação perversa de folga fiscal e aperto monetário não existe só no Brasil: está presente também na Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.
Quanto ao desemprego, ele é preocupante na Argentina, Brasil, Equador, Honduras, Peru, Uruguai e Venezuela. Ele contribui para o aumento da pobreza e solapa o apoio político às reformas.
Edwards pede mais flexibilidade do mercado de trabalho. O único país sem problemas nesta área é o Chile, onde o desemprego aberto caiu de 20%, no começo da década de 80, para 5% nos anos 90. As razões: redução drástica de impostos sobre a folha salarial, especialmente previdenciários, reforma do sistema de indenizações em demissões e um sistema mais cooperativo de relações empregado-gerência.
O terceiro obstáculo é o lento crescimento das exportações, algo incompatível com a abertura comercial. No início dos anos 90, as exportações tiveram bom crescimento, mas em 95, as exportações da América do Sul cresceram apenas 3,6%. Foram particularmente ruins na Colômbia e no Peru e decepcionaram no Brasil (queda de 3% no volume).
No caso do Brasil, Edwards aponta duas causas: "custo Brasil" muito elevado e sobrevalorização cambial.
Os cálculos de quanto o câmbio está sobrevalorizado variam. O economista Rudi Dornbusch estima de 30% a 40%. O FMI calcula que, desde o início do Real, em julho de 94, a apreciação foi de 16% em relação a uma cesta de moedas, e 20% em relação ao dólar. A preocupação com o câmbio é ainda maior porque em 95 a produtividade cresceu bem menos, e o custo da mão-de-obra industrial subiu 14% em dólares.
Edwards diz que é "um perigoso passo atrás" tentar resolver esse problema dando R$ 1 bilhão em créditos subsidiados, como está fazendo o Brasil. A sequência correta seria fazer uma correção fiscal "importante e permanente", avançar com as reformas estruturais (incluindo trabalho, saúde e educação) e a privatização. Só depois seria possível afrouxar a política monetária e tornar o câmbio mais flexível.
Essa é, claramente, a agenda que deixaria o mercado confortável. Edwards observa que é difícil saber se o presidente Fernando Henrique terá "habilidade e vontade política" para executá-la.

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