São Paulo, terça-feira, 10 de setembro de 1996
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Hasta la vista, ticket!

LUÍS PAULO ROSENBERG

Primeira premissa: ninguém melhor do que o próprio trabalhador sabe onde lhe doem os calos. Portanto, todas as tentativas de substituir o discernimento dele pelo paternalismo estatal é um exercício em arrogância elitista.
Uma feliz ilustração desse ponto é a pesquisa de campo desenvolvida por Elca Rosenberg, na década passada, sobre o comportamento do consumo de alimentos das classes de baixa renda em Sobradinho, cidade satélite de Brasília.
A pesquisa levantava a cesta de alimentos que cada família comprava. Daí, a autora, levando em conta a renda, o tamanho e a composição etária de cada família, calculava qual teria sido a dieta ótima para aquela família.
O computador da Universidade de Brasília tinha de rodar por horas um sofisticado modelo de programação linear, que levava em conta o conteúdo nutricional e calórico de cada alimento disponível na região, as necessidades biológicas de cada membro da família e os preços vigentes para cada produto, a fim de definir, cientificamente, como aquelas ignorantes mães de família deveriam alocar seu orçamento se dispusessem de todo o conhecimento armazenado pelo computador.
Ao final, surpresa das surpresas: quanto mais baixo o nível de renda, mais a dieta observada no campo batia com a proposta pelo computador.
Vale dizer: pobre precisa de renda, não de assistente social. Aliás, esse é o fundamento teórico neoclássico básico da proposta de renda mínima defendida pelo senador Suplicy.
Segunda premissa: tudo o que pudermos fazer para reduzir o custo do empresário brasileiro é desejável, se quisermos preservar a estabilidade de preços sem aniquilar o parque produtivo aqui instalado.
Como vimos insistindo há anos, não é o câmbio fixo que estaria errado, mas sim a morosidade em aumentar o retorno da atividade empresarial pela redução dos custos tributários, financeiros, trabalhistas de insumos básicos e de movimentação e armazenamento de cargas.
Seria equivalente a praticar uma maxidesvalorização para dentro da empresa, aumentando a competitividade pelo lado da redução do custo, não do aumento da receita. A diferença? O primeiro método barateia bens para o consumidor; o segundo aguça pressões inflacionárias que corroem o poder aquisitivo.
Juntando a proposição de que o trabalhador não precisa ser vigiado no como gasta seu dinheiro e a empresa necessita baratear seus custos, chega-se ao teorema de que o governo federal deve ser aplaudido de pé por propor o fim da obrigatoriedade dos famigerados tickets refeição e transporte, sempre que o empresário tenta apoiar seus funcionários nessas áreas.
De fato, a se aprovar a tese defendida pela Receita Federal bastará a firma pagar diretamente e em dinheiro ao trabalhador os auxílios transporte e alimentação, sem incidência de encargos sociais.
Seria o fim da burocracia de se forçar o patrão a se registrar num programa oficial e ser onerado pela introdução da empresa de tickets como intermediária, dela comprando os papeluchos que serão repassados ao trabalhador.
No futuro, poderá cair o custo para o empresário dar o apoio ao seu funcionário, aumentar a receita auferida pelo trabalhador e mantendo-se o mesmo nível de renúncia fiscal. Simplesmente porque o governo chutou o pau da barraca do cartório dos tickets.
Tais empresas, a partir da aprovação desse projeto, sobreviverão se estiverem prestando serviços efetivos aos seus clientes, rebolando para ganhar o pão nosso, como qualquer empresa normal em tempos de abertura econômica. Em vez de terem a sobrevivência assegurada por uma lei tributária que lhes outorga o privilégio de um gigolô.

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