São Paulo, terça-feira, 10 de setembro de 1996
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Fiac termina sem entusiasmo

NELSON DE SÁ; MARIO VITOR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O público paulistano destes anos 90 só conheceu Robert Wilson, só conheceu Andrei Serban, que Antônio Araújo, de "O Livro de Jó", menciona como a sua grande influência, por conta da mostra de teatro da Bienal.
Só conheceu a companhia Cheek By Jowl, que iniciou a recente produção shakespeariana no Brasil, por conta do Conselho Britânico. Só conheceu Elizabeth LeCompte e Kazuo Ohno por conta do Sesc. Os exemplos são vários.
Por conta do Festival Internacional de Artes Cênicas, nestes anos 90, São Paulo pouco ou nada conheceu que pudesse ser descrito como influente na cena internacional. Duas décadas atrás, pode ser -o próprio Bob Wilson; mas nem ele volta, apesar dos anúncios. Também não vêm Peter Brook e os outros.
O que vem, como comprova a programação que acabou no final de semana, são espetáculos, ainda que bem realizados, sem a projeção dos citados.
Alguns surpreendem. Certamente o chinês "Dong Gong, Xi Gong", a primeira produção teatral do cineasta Zhang Yuan, mostrou uma delicadeza inesperada para um artista tão pouco conhecido -inclusive no cinema.
Mas o festival esteve longe de ser instigante. Ao contrário, pelas peças que foi possível assistir, predominaram produções menores, de alcance limitado.
O croata "Emma, Essays", assim, usa como pano de fundo o conto "Emma Zunz", de Jorge Luis Borges -mas, ao contrário da clareza e da concisão deste, afunda numa espécie de hermetismo corporal. Ora os gestos mostram supostas relações sexuais, ora parecem aludir ao assassinato como ato inicial de um indivíduo diante da força da burocracia.
Os atores interagem também com filmes em telas e TVs no palco. A receita é datada, lembrando performances em museus de Nova York no fim da década passada, e difícil de interessar.
Também as montagens brasileiras estiveram longe de instigar. "No Alvo", com Maria Alice Vergueiro, nem pode ser descrito como um espetáculo pronto.
A "mise-en-scène" esboçada para um casarão da avenida Paulista não tem qualquer funcionalidade, o que aproximou a apresentação de um ensaio de figurino, tal a confusão. A qualidade de texto e elenco só pôde ser divisada com grande dificuldade.
O "Nowhere Man" de Gerald Thomas mostrou o diretor preso aos mesmo impasses dos últimos trabalhos. No terreno formal, há maior respeito a uma certa unidade de ação, o que o aproxima de uma linha tradicional.
Além da derrisão com que são abordados os temas, sobressai a extremada autopiedade do personagem principal, um artista em crise, diante da falta de alternativas de existência, no que, segundo a visão do autor, também o público tem responsabilidade.
As peças vendidas como atrações estiveram aquém da propaganda. "20/20 Blake: A Virtual Sho", do americano George Coates, é um espetáculo de tecnologia pesado e distante das novas abordagens de multimídia no teatro.
Diferente dele são os espetáculos, por exemplo, do canadense Robert Lepage, outra frustração anunciada da mostra paulistana. Lepage também assombra, fascina com imagens; mas o faz com delicadeza e simplicidade.
A frustração se deve em parte a outros festivais que estão a apresentar o mesmo Lepage. São os casos de Edimburgo e do Next Wave Festival, em Nova York.
Edimburgo, desde sempre o principal festival de teatro no mundo, também tem Peter Stein e Bob Wilson. Até Avignon, na decadente cena francesa, apresentou este ano uma grande atração, na última direção de Heiner Mueller para o Berliner Ensemble.
Para não buscar tão longe, na Colômbia esteve o Cheek By Jowl, com "The Duchess of Malfi".
Em São Paulo, foi preferida outra companhia inglesa, a obscura Northern Broadsides, com "A Midsummer Night's Dream" em espetáculo correto, subordinado às regras da encenação inglesa média -o que não é pouco, mas não explora toda a comicidade do texto e evidencia, no caso, um exagerado pendor declamativo.
Como avaliação, à luz das próprias peças, o Fiac mostra ser tributário de produções de qualidade regular, que estão distantes de apontar um caminho renovador que deve ser a principal missão de festivais como este.
(NELSON DE SÁ e MARIO VITOR SANTOS)

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