São Paulo, terça-feira, 10 de setembro de 1996
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Madame Bovary

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - O mais deprimente na vida pública é ver como o presidente da República considera o país como uma cambada de idiotas, incapazes de perceber a veemência e o oportunismo com que ele mente sem qualquer pudor. Durante meses, insistiu em declarar que "reeleição não era com ele, era assunto dos outros", embora todos soubéssemos que FHC não pensava em outra coisa.
Seu programa de metas resume-se na meta de um só programa: descolar novo mandato. Somente nos últimos meses ele vem admitindo, docemente constrangido, que a salvação da pátria exige a sua reeleição. Ir contra ele é ir contra o Brasil. Madame Bovary sou eu. A pátria sou eu. Com a mesma veemência com que negava a reeleição ele agora garante que "não pagará o preço da barganha".
Repito: é deprimente ver um homem maior de idade, vacinado, portador de título eleitoral e de CPF, com direito a frequentar a fila dos idosos nos bancos e a andar de graça nos ônibus e no metrô, é duro ver esse homem ir contra a evidência e, pior, ir contra a integridade que o ser humano, qualquer um, de presidente a bandeirinha de futebol, deve preservar.
A campanha da reeleição, seja para beneficiar FHC ou frei Damião, terá custo altíssimo em dois níveis: no político e no financeiro. Na seara política, será uma arrumação de quadros que colocará a administração de pernas para o ar. Se o Montenegro do Ibope sugerir que o Faustão seria útil como ministro da Fazenda, a plebe perderia o seu animador dominical e Malan perderia o ministério.
No campo financeiro, os gastos com Collor e com o próprio FHC, somados, mal dariam para imprimir as ventarolas da campanha.
Qualquer pedra de rua, qualquer vala negra de favela sabem como são as coisas. O presidente da República perde tempo e os jornais perdem espaço quando transcrevem suas juras de austeridade e isenção diante da meta única de seu governo.

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