São Paulo, quarta-feira, 11 de setembro de 1996
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"Showgirls" é "Robocop" de topless

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

"Showgirls" chegou ao Brasil com a fama de "pior filme do ano" estabelecida nos EUA. A fama pegou e o estigma difundiu-se.
Nesses casos, qualquer argumento serve: há excesso de erotismo ou falta dele, a atriz é péssima, a história é cafona etc.
Não é tão simples assim. "Showgirls" é um "A Malvada" de tanga, um "Robocop" de topless.
Mas o essencial vem provavelmente de "Robocop", filme dirigido pelo próprio Paul Verhoeven em 1987. Ali, como se sabe, um policial morto é recuperado, dotado de uma armadura, recheado de chips e colocado de novo a serviço da polícia, só que agora com poderes quase sobrenaturais.
"Showgirls" retoma essa idéia de armadura. A diferença -sensível- é que desta vez a nudez será a couraça das garotas que batalham, no palco, pelo estrelato.
É claro que ninguém se lembrou de considerar ridícula a atuação de Peter Weller em "Robocop", ou de reprovar-lhe a imobilidade facial.
No caso de "Showgirls", não faltou quem enfatizasse a incompetência, ou suposta incompetência, de Elizabeth Berkley.
Ora, Berkley (aliás, Nomi Malone, sua personagem) é mesmo de uma inexpressividade inquietante -por nascença ou virtude. Só não se pode dizer que essa inexpressividade não seja funcional.
Nomi Malone é de um vazio atroz. É um Robocop com o rosto mascarado por quilos de purpurina, onde não se vê sinal de humanidade. Seus movimentos, mesmo quando dança, são robóticos, de um autômato.
É estranho que esse filme tenha sido condenado por "erotismo". Seu parti pris é notoriamente anti-erótico (o inverso de "Instinto Selvagem", do mesmo diretor).
A bailarina pode estar no mais sórdido palco de Las Vegas, ou no mais triunfal dos grandes hotéis: não há sensualidade nos gestos, nem nos propósitos. Tudo que ela quer é vencer na vida.
Em relação a "A Malvada", "Showgirls" opera um ressecamento dos personagens a dimensões mínimas. No filme de Mankiewicz, Anne Baxter era alguém de uma ambição desmedida. No de Verhoeven, Berkley tem a mesma ambição, mas não é certo que seja "alguém", ou que possua outros atributos de humanidade.
"Showgirls" é um filme crítico a um estado de coisas em que o interesse mínimo e máximo das pessoas se equivale: triunfar. Em vez da armadura do Robocop, Nomi Malone arma-se renunciando à alma, ostentando um corpo de boneca, puro artefato de indústria (de diversão).
"Showgirls" é um filme inquietante, nada acomodatício, na contra-corrente, a quilômetros da insignificância.

Filme: Showgirls
Produção: EUA, 131 min.
Direção: Paul Verhoeven
Com: Elizabeth Berkley, Gina Gershon
Lançamento: Playarte

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