São Paulo, quinta-feira, 12 de setembro de 1996
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Bienal anuncia sala especial Rubem Valentim

KATIA CANTON
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Entrando pelo espaço museológico da 23ª Bienal, o visitante da 23ª Bienal irá se deparar com uma frase de Guimarães Rosa, tirada de "Grande Sertão Veredas", que anuncia brilhos indescritíveis -a frase é o grande segredo do curador Nelson Aguilar. Trata-se de um slogan, uma chamada geral para salas que, de fato, agruparão grandiosas estrelas da arte ocidental do século 20.
Nessa constelação, ao lado de nomes como Picasso, Edward Munch, Paul Klee e Louise Bourgeois, está a sala reservada ao artista negro baiano Rubem Valentim, morto em 1991, aos 69 anos.
Para falar de sua obra, a Folha entrevistou com exclusividade o artista, músico e curador Bené Fonteles, que veio de Brasília, onde vive, para montar o "Painel Emblemático", de 15 x 3,5 metros quadrados, feita como um templo a Oxalá, em 1977, e, desde 1981, instalada no Palácio do Itamaraty.
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Folha - Qual é a história do "Painel Emblemático"?
Bené Fonteles - Ele foi criado em 1977, justamente para a participação de Rubem Valentim na Bienal de São Paulo. O painel não era totalmente branco como é agora. Era azul prússia, dedicado a Oxalá, com relevos móveis, feitos em madeira e pintados de branco.
Quatro anos depois, em 1981, Valentim ganhou um concurso para expor no Itamaraty e resolveu montar o painel lá.
Oscar Niemeyer nunca se deu bem com ele porque ele não era de seu grupo, e portanto não o ajudou. Valentim decidiu pintar tudo de branco por uma questão ambiental. Ele teve que arcar com as despesas da montagem.
Folha - É esse mesmo painel que será mostrado na 23ª Bienal?
Fonteles - Não exatamente. O painel é composto de 20 placas de madeira com 19 relevos parafusados por cima, feitos com recortes de madeira. Além disso, há relevos escultóricos de Oxalá, que foram excluídos. Essa será uma versão mais "minimal".
Eu teria construído um templo, mas esse formato responde ao desejo de Nelson Aguilar, que queria uma mostra de diferentes conceitos de painéis, envolvendo artistas de contextos diferentes.
A obra de Valentim agora será vista com olhos totalmente diferentes. Ele está inserido numa sala especial, consagrado portanto como uma das grandes referências internacionais da arte. Infelizmente, ele nunca se consagrou vivo.
Folha - Além da sala especial da Bienal, você está fazendo um livro sobre a obra de Rubem Valentim...
Fonteles - Sim, com Wagner Braja, diretor do Espaço Cultural de Brasília. O projeto cobre sua produção entre os anos 50 e 80. Tem 80 imagens e textos sobre os críticos que primeiro escreveram sobre ele.
Num depoimento que ele me deu, conta que decidiu ser artista quando viu um caco de vidro de leite magnésia quebrado. Esses vidros eram de um azul bem forte, e ele se encantou com o brilho.
Folha - Como você se tornou um pesquisador da obra de Valentim?
Fonteles - Eu o conheci em 1977. Resolvi morar em Brasília um ano depois e fui literalmente adotado por ele e sua mulher, Lucia Valentim, que foi introdutora da arte-educação no Brasil.
Ele e a mulher queriam mudar o Brasil. Em 1968 acabaram sendo perseguidos e expulsos da universidade.
Folha - Não há hoje um reconhecimento maior na grandeza de Rubem Valentim?
Fonteles - Isso apenas começa a acontecer. Lucia Valentim morreu no ano passado, viveu o suficiente para organizar um acervo de obras e a biblioteca de Valentim na casa em que eles moravam. Vai se tornar uma Casa de Cultura. A biblioteca tem mais de 3.000 livros sobre arte e 2.000 sobre espiritualidade em diferentes culturas.
Sinto que cresce o interesse em curadorias sobre ele. Sem querer ser bairrista, a obra de Valentim tem muito mais força do que a de Andy Warhol, que está a seu lado nas salas especiais.

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