São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 1996
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Ombudsman da América Latina

JAIME WRIGHT

Ombudsman, como os leitores privilegiados da Folha sabem, é a palavra sueca assumida por alguém que se coloca no ponto de vista do público, observando e criticando lacunas. O exercício dessa função requer competência, desprendimento e coragem.
Depois de 25 anos de arcebispado na segunda maior diocese católica da América Latina (Cidade do México é a primeira) e ao completar o limite canônico de 75 anos para o seu exercício, o mundo ecumênico rende graças a Deus pelo ministério competente, desprendido e corajoso de d. Paulo Evaristo Arns.
Dom Paulo é a encarnação do ombudsman para a América Latina. Especialmente durante os anos de chumbo, quando floresciam ditaduras pelo continente, a compaixão ecumênica e samaritana do cardeal arcebispo de São Paulo se estendia a todas as criaturas necessitadas, sem preconceitos religiosos, ideológicos, políticos, geográficos, sociais, econômicos, raciais e de gênero.
A todos, sem distinção, como Jesus Cristo ordenou. Essa superação de limitações é própria do bom samaritano; do ombudsman também. É fazer o bem sem saber a quem, onde prevalece o aforismo: a solidariedade não tem fronteiras.
De todas as personalidades brasileiras contemporâneas, nenhuma encarna a prática ecumênica de um modo tão generoso e autêntico quanto d. Paulo, como se pode constatar pelo seguinte resumo de sua extraordinária atuação samaritana (ver modelo no Evangelho de São Lucas, capítulo dez).
Desafiou a ditadura mandando denunciar dos púlpitos da arquidiocese as violações dos direitos humanos. Visitou os cárceres e presos políticos. Deu voz jurídica aos seus protestos, fundando a Comissão Justiça e Paz. Fundou a Comissão Arquidiocesana de Pastoral dos Direitos Humanos e Marginalizados, a fim de produzir instrumentos pedagógicos para a igreja.
Apoiou o Comitê de Defesa dos Direitos Humanos nos países do Cone Sul (clamor) na denúncia de violações de direitos humanos na Argentina, Chile, Uruguai, bem como no Paraguai e na Bolívia. Abrigou na Cúria Metropolitana o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), que recebeu centenas de refugiados políticos dos países do Cone Sul.
Estimulou a fundação do Centro Santo Dias de Direitos Humanos, bem como de centros regionais de defesa dos direitos humanos para envolver as bases nas lutas pelos seus direitos. Liderou resistências não-violentas pela liberdade de imprensa, pela volta do habeas corpus, pelo direito de reuniões públicas, pela reorganização de partidos políticos e pela anistia às pessoas acusadas de crimes políticos.
Apoiou classes trabalhadoras, protestando contra a prisão de líderes sindicais e abrindo igrejas para que os trabalhadores pudessem se reunir. Doou o prêmio Nansen, da ONU (US$ 50 mil), para o trabalho com os refugiados políticos na América Central. Colaborou com as Avós da Praça de Maio na busca de crianças desaparecidas durante as ditaduras na Argentina e no Uruguai.
Publicou e entregou em mãos ao papa João Paulo 2º o primeiro livro com nomes (7.291) de pessoas desaparecidas durante a ditadura na Argentina. Deu cobertura ao gigantesco projeto "Brasil: Nunca Mais", visitou pentecostais no largo da Pompéia, evangélicos no Conselho Latino-americano de Igrejas (Clai) e protestantes e ortodoxos no Conselho Mundial de Igrejas, em Genebra.
Participou de cultos ecumênicos históricos: em memória do jornalista Vladimir Herzog (31/10/75); em solidariedade ao povo argentino (4/9/79); no primeiro aniversário da morte de d. Oscar Romero, arcebispo de San Salvador (24/3/81); o Culto Ecumênico da Esperança, Natal de 1981, em defesa dos padres e posseiros presos no Araguaia (18/2/82); em solidariedade ao povo da África do Sul e aos povos oprimidos do Terceiro Mundo (20/5/87); o ato multirreligioso pela paz no golfo Pérsico e 70º aniversário da Folha; o encontro inter-religioso com o Dalai Lama (9/6/92).
Foi membro de cinco organismos internacionais que se preocupam com os direitos humanos: Comitê de Peritos para a Prevenção da Tortura nas Américas (Cepta), Comissão Independente das Nações Unidas para Assuntos Humanitários Internacionais (Genebra), Pax Christi Internacional (Antuérpia), Serviço Internacional pelos Direitos Humanos (Genebra) e Serviço Paz e Justiça na América Latina (Serpaj-AL).
Dom Paulo Evaristo Arns: bom samaritano, pastor compassivo, estadista religioso, porta-voz corajoso do Evangelho e -por que não?- ombudsman da América Latina.

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