São Paulo, sábado, 14 de setembro de 1996
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"Tommy" atualiza humanismo dos anos 60

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando "Tommy" estreou na Broadway, três anos atrás, o crítico do jornal "The New York Times", Frank Rich, saudou o espetáculo como o início de uma nova era no teatro musical americano.
A montagem que chegou a São Paulo está muito distante de sustentar a boa vontade do "açougueiro da Broadway" -como era conhecido e ainda é lembrado o crítico, hoje articulista da "op-ed", página de opinião do jornal.
"Tommy" tem, de fato, como escreveu ele, um livro bem estruturado, com delineamento dramático consistente, obra que acabou dando o prêmio Tony a Des McAnuff, experiente em Shakespeare e um especialista em musicais. Foi quem trouxe para os anos 90 uma obra que não passava de um dinossauro dos anos 60, esquecido.
A "ópera-rock" ganhou vitalidade e o protagonista, Tommy, o jovem cego, surdo e mudo que é vitimado pelos pais e pela mídia, ganhou ares de anti-herói no gênero fim do milênio, como os personagens de "Rent" ou, pouco antes, "Angels in America" -espetáculos do mesmo ciclo de revitalização do teatro americano, nesta década.
Não é difícil identificar o que se viu em "Tommy", quando do alardeado lançamento.
Canções e quadros como "See me, feel me", o clássico de rock, talvez mais conhecido pelo filme de Ken Russel, de 1975, e sobretudo "Listening to you" são envolventes ao ponto de empolgar. Mas daí para aceitar que o teatro musical americano vá mudar por conta de "Tommy", como chegou-se a pensar, vai muita boa vontade.
Espetáculos como os "afro-americanos" de George C. Wolfe, não por acaso o diretor de "Angels in America" na Broadway, reúnem mais qualidades para uma nova reunião -tão aguardada por alguns, tão execrada por outros- entre teatro comercial e teatro experimental.
São musicais como "Jelly's Last Jam", lançado na mesma temporada de "Tommy", e o mais recente, que ainda está em cartaz em Nova York, "Bring in da Noise".
No entanto -e não à toa- o diretor e às vezes autor George Wolfe tem identificação maior, por exemplo, com a cultura "afro-brasileira" (volta e meia ele está em Salvador) do que com o rock do The Who, que originou "Tommy".
Mas a diversidade é a marca deste final do milênio e "Tommy" deve ter a sua significância, para além do clássico de rock.
Assim, com boa vontade, é possível emocionar-se com a romaria existencial de Tommy, às voltas com o abuso psicológico quando criança, com o abuso sexual quando pré-adolescente e por aí vai.
Não são cenas que o ainda inexperiente (mas de aprendizado veloz) público brasileiro de musicais aceite com facilidade, ele que sonha com Andrew Lloyd Weber e "O Fantasma da Ópera", e não tem idéia de quem seja Stephen Sondheim. Trata-se de um musical amargo, bem à Stephen Sondheim (de "Passion", o mais recente), um musical dramático de final feliz, mas de meados dolorosos.
Poderia, na montagem paulista, já que o elenco foi diverso no Rio, contar com uma formação de maior capacidade vocal -o que talvez se explique pela sala gigantesca do Olympia- e de interpretação. Não faltam bons momentos, como com Jessica Phillips, a mãe de Tommy, e Michael J. Vergoth, o pai.
Mas os números tão esperados da "Acid Queen", interpretada por Raquela Burt, e, claro, "Pinball Wizard", com diversos cantores/dançarinos, desaparecem e o espetáculo pesa. (Também há erros de tradução, que não custaria corrigir; assim como suprimir o toque brasileiro, que acentua a artificialidade de boa parte do espetáculo.)
Mas sempre tem a apoteose, agora com a lição "inclusiva", fim de milênio, que atualiza sem estragar os versos de "Listening to you", com os quais Tommy, ouvindo, vendo, professa seu humanismo.
"Listening to you/ I get the music/ gazing at you" e por aí vai. A resposta está no homem, é o que diz Pete Townshend nesta ponte entre os anos 60 e os anos 90.

Espetáculo: Tommy
Quando: de ter a qui, às 21h, sex, às 22h, sáb, às 18h e 22h30, e dom, às 17h e 21h Onde: Olympia (r. Clélia, 1517, tel. 252-6255)
Quanto: de R$ 25 a R$ 65

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