São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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O mistério do desenvolvimento

ROBERTO CAMPOS

"O vício intrínseco do capitalismo é a partilha desigual do sucesso; o vício intrínseco do socialismo é a partilha equitativa do fracasso" Winston Churchill
Por que alguns países conseguem ficar ricos e outros continuam pobres? Eis o mistério irresoluto do desenvolvimento econômico. Os idiotas latino-americanos (quão numerosos, santo Deus!) vangloriam-se das "riquezas naturais" deste continente, que zelosamente protegem da cobiça estrangeira, à espera de prosperidade futura. Se isso fosse verdade o Brasil e o Zaire seriam riquíssimos e o Japão e a Coréia do Sul, mendicantes. Culturalmente, a primeira higiene mental a fazermos é expungir dos dicionários a expressão "riquezas naturais", substituindo-a por "cadáveres geológicos". Desenvolvimento se faz com riquezas artificiais; educação e tecnologia.
Abundantes, no caso em tela, são as falsas correlações. Desapontadamente, não parece existir correlação entre democracia e desenvolvimento. O "milagre brasileiro" do crescimento ocorreu sob o governo autoritário do presidente Médici, de 1968 a 73. Taiwan e Coréia deslancharam sua corrida desenvolvimentista sob regimes ditatoriais, o mesmo ocorrendo com o Chile. Tudo o que se pode dizer é que, atingido um certo nível de progresso, crescem os reclamos de liberdade política. O desenvolvimento econômico é um indutor de pressões em favor da democratização política. Mas a recíproca não é verdadeira. O economista Robert Barro sustenta o ponto de vista de que, para os países muito pobres, a democracia, com seu viés distributivista, pode ser um luxo insustentável. É também falsa a correlação entre socialismo (ou dirigismo estatal) e desenvolvimento econômico. O colapso do comunismo revelou ser ele uma receita de fracasso. Incidentalmente, a noção de que um bom nível educacional é garantia de desenvolvimento se provou falsa na Europa Oriental, onde a extinção do analfabetismo e o avanço científico não evitaram a estagnação econômica. A educação não supre a falta de ingredientes fundamentais, como a concorrência no mercado e o direito de propriedade privada.
Mais plausível é admitir-se uma conexão entre capitalismo e desenvolvimento. Ambas as coisas são demonstradas pelo contraste entre a Alemanha Ocidental e a Oriental ou entre o Sul e o Norte da Coréia, zonas onde os dois sistemas se contrapõem. Entretanto a superioridade do capitalismo só ocorre no caso do capitalismo competitivo -liberal ou neoliberal- e não do capitalismo de Estado praticado na América Latina, que é um misto de mercantilismo e socialismo.
Durante certo tempo prosperou entre nós a tese de que um pouco de inflação e uma pitada de dirigismo (agindo o governo como motor de crescimento) resolveriam a charada. Mas a experiência revelou que a inflação, como a gravidez, não se autolimita, e que sem moeda estável pode haver surtos de crescimento, porém não desenvolvimento sustentado. Quanto aos governos, escolhem investimentos errados, desperdiçam demais (Brasília foi um monumental desperdício) e sofrem de descontinuidade administrativa.
A teoria neoclássica do desenvolvimento, baseada toda ela no livro de Adam Smith, de 1776, sobre "as causas de Riqueza das Nações", era fundamentalmente otimista. A acumulação de capital e do progresso tecnológico (num sistema de livre comércio e instituições políticas estáveis) impulsionariam o crescimento. Mas entraria em função o princípio dos "rendimentos decrescentes", isto é, os rendimentos por unidade de capital tenderiam a decrescer no curso do tempo. O capital tenderia então a emigrar para os países menos desenvolvidos, onde seu rendimento seria maior. Disso resultaria uma "convergência", isto é, os países mais pobres tenderiam a crescer mais rapidamente, diminuindo-se assim a brecha que os separa dos mais desenvolvidos.
A evidência histórica, entretanto, é inconclusiva. Houve rápida "convergência" no caso de países novos de cultura anglo-saxônica (Estados Unidos, Canadá, Austrália etc.), que enriqueceram em pouco mais de um século. Isso documenta a importância de um clima institucional propício -estabilidade política, respeito à propriedade privada, governo pouco intrusivo, valorização da atividade empresarial. Na América Latina, África e boa parte da Ásia, onde o clima institucional apresenta características opostas, não houve o mesmo grau de convergência. O rápido desenvolvimento do Leste da Ásia é coisa recente e talvez tenha algo a ver com a ética confuciana -frugalidade, disciplina e educação como símbolo de status.
A teoria neoclássica está hoje sujeita a intenso revisionismo. Paul Romer começou a questionar em 1986 a "lei dos rendimentos decrescentes", sugerindo que se o conceito de "capital" fosse ampliado para incluir o "capital humano", poderia haver crescimento indefinido, através de inovações que geram inovações, ou de utilização mais eficaz de tecnologias já existentes. Robert Barro desenvolveu o conceito de "convergência condicional". O desenvolvimento pode ser freado por políticas governamentais equivocadas, que não priorizam adequadamente a educação, ou que através de excessivo dispêndio governamental, como proporção do PIB, roubam espaço à atividade privada. No cenário brasileiro, Gustavo Franco, do Bacen, denuncia duas errôneas identificações: a identificação entre desenvolvimento e gasto público e a identificação entre "soberania" e "autarquia".
Acumulam-se evidências empíricas de que, de um modo geral, tendem a crescer mais rapidamente os países que mantêm baixa inflação, impostos moderados, participação modesta do governo no PIB, priorizam a educação básica e se inserem na economia internacional com alto nível de importações e exportações.
Haverá alguma variável particularmente crucial? Paul Krugman enfatiza a "produtividade", isto é, a eficiência no uso dos fatores e insumos. Jeffrey Sachs atribui particular importância à "liberalização comercial". Analisando uma amostra de 111 países, concluiu que os países "abertos" tendem a crescer mais, e sofrer menos crises de balanço de pagamentos, que os países de economia "fechada". Esse o contraste básico entre o Leste Asiático, que adotou uma orientação exportadora, e os países da América Latina, que até recentemente eram dominados pela doutrina da "industrialização substitutiva de importações". Para Robert Barro, uma variável importante é a proporção do dispêndio governamental no PIB. Quanto mais alto esse dispêndio, mais reduzido o crescimento, pois o motor do desenvolvimento é o setor privado. O sociólogo Mancur Olson acentua que, nas economias subdesenvolvidas, o "mau uso" costuma ser um fator limitativo mais grave que a "insuficiência" de recursos. Todos concordam em que a segurança jurídica da propriedade privada é o mais fundamental dos incentivos ao desenvolvimento.
Há errôneas percepções no Brasil sobre o grau de intervenção governamental na economia. Se mensurada corretamente, ela é enorme. Robert Skidelsky, o grande biógrafo de Keynes, sugere cinco medidas da intromissão "coletivista": 1) a parcela do PIB gasta pelo governo (na América Latina tipicamente 40%, o dobro do nível asiático); 2) a fração do PIB produzida pelo Estado (alta no Brasil, em virtude dos monopólios estatais); 3) interferência do Estado no fluxo de mercadorias, capital e trabalho; 4) a carga fiscal (que no Brasil teria de incluir o imposto inflacionário) e 5) a proliferação de regulamentos, caracterizando a "ditadura do burocrata".
Tudo posto e disposto, a economia brasileira está muito mais para "coletivista" do que para "liberal"!
Nada disso responde adequadamente à questão inicial: por que alguns países enriquecem e outros, não? Há mais perguntas que respostas. Mas, como dizia Whitehead, metade da ciência não é dar respostas exatas e sim fazer as perguntas corretas.

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