São Paulo, domingo, 15 de setembro de 1996
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O pânico do novo

LUÍS NASSIF

Às vezes soa incompreensível a virulência dos ataques à modernização. Alguns setores comportam-se como se não houvesse um ângulo positivo sequer nos processos de mudança.
Num primeiro momento, globalização significa crise, porque se enterra o velho antes que o novo apareça. Mas significa, também, o surgimento de possibilidades inéditas na história do país de sepultar o anacrônico.
O simples fato de o capital passar a ser fator abundante remove o principal fator de atraso e de conservadorismo da vida nacional -representado por grupos econômicos que se mantinham incólumes, escudados no controle político ou na acumulação financeira prévia.
É só conferir. Nos anos 30, a elite cafeeira entrou em decadência.
A nova geração de empreendedores -composta por imigrantes, filhos de imigrantes, pequenos comerciantes- logrou preparar as bases da industrialização brasileira.
Mas não tinha acesso a instrumentos de crédito, porque o setor bancário só emprestava a quem tivesse uma fazenda de café para apresentar como garantia. Esse quadro só muda de fato a partir dos anos 60. Mas muda apenas a natureza da garantia.
Reside nesse modelo a fonte de sobrevida de uma elite perniciosa e tacanha -contra a qual bradaram durante tantas décadas porta-vozes relevantes das esquerdas, que hoje combatem sem tréguas o novo.
Pois é o velho modelo que está em fase terminal, graças à globalização dos mercados. À medida que o novo se impõe, que acaba o centralismo, que surgem os fundos de investimento em empresas emergentes, que se consolida o mercado de capital, cessa essa visão patrimonialista -pela qual só tinha acesso a dinheiro quem tinha patrimônio previamente acumulado.
Rompe-se a correia de transmissão de mediocridade que fazia com que herdeiros despreparados terminassem a vida em melhores condições que novos empreendedores muito mais talentosos -mas sem acesso a capital.
Críticos e criticados
Se a modernidade tem seus custos, mas embute também o fim desse processo, por que o tema suscita reações tão emocionais nas mesmas pessoas que passaram a vida a deblaterar contra o velho modelo?
Por que essa dificuldade em separar vícios e virtudes no novo? Por que esse emocionalismo, que não encontra paralelo nem nos tempos mais furibundos do fim do governo militar ou nos excessos do período Sarney?
A resposta é simples. A sobrevida do crítico depende da sobrevida do objeto da crítica. O crítico desaparece com o objeto da crítica. A não ser que se recicle.
A nova realidade surge aí, cheia de virtudes e prenhe de defeitos. Há a necessidade de um novo exercício crítico, que permita seu aprimoramento.
Mas como criticar o que não se entende? E como abrir mão do velho refrão, familiar como um calo de estimação, correndo o risco de perder espaço no novo paradigma?
Essa simbiose entre opostos merece um estudo psicológico e político mais apurado. Na repressão, o delegado Fleury era badalado pela elite empresarial e política conservadora.
Terminada a guerrilha, tornou-se figura incômoda e até objeto de constrangimento por parte de seus antigos protetores. Liquidando o movimento guerrilheiro, Fleury liquidou-se a si próprio.
É esse imenso paradoxo que explica parte dessa crítica sistemática contra o novo. O velho modelo era fundamental para alimentar as críticas.
Combate-se o novo não por trazer novos defeitos, mas, principalmente, por eliminar os antigos.
À medida que os argumentos vão perdendo consistência e tendo menos eco, aumenta-se o volume, julgando-se que, fazendo-se mais barulho, eles se tornaram novamente audíveis.
Definitivamente, não é questão de volume.

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