São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lá se vai o sigilo bancário...

JOSÉ FERNANDO BOUCINHAS

Para a perplexidade geral, a Câmara Federal, ao regulamentar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, aprovou a quebra do sigilo bancário. Instituída de forma canhestra, com a substituição na última hora do relator do projeto de lei, o deputado José Luiz Clerot, contrário ao rompimento da confidencialidade, a peça nasce à luz da inconstitucionalidade, quando propicia ao Fisco livre acesso a esses dados, a pretexto da facilitação da fiscalização do recolhimento do novo tributo.
A aprovação desse dispositivo é deplorável sob todos os aspectos, pois propicia ao Estado vasculhar, a seu livre arbítrio, a vida do contribuinte, ferindo o direito inalienável de qualquer cidadão em uma sociedade democrática, que é a privacidade. Uma cláusula constitucional considerada como pétrea pelos juristas, ou seja, inalterável mesmo por meio de emenda constitucional.
A quebra do sigilo bancário é, ademais, desnecessária para fiscalizar o recolhimento da malfadada contribuição. Isso porque, sendo de responsabilidade das instituições financeiras o cálculo e o recolhimento da CPMF, a Receita Federal dispõe de inúmeros meios eficazes para averiguar se os valores recolhidos estão corretos, sem ter de escarafunchar a vida de cada cidadão.
Fica no ar a incômoda lembrança do regime "orwelliano", em que, inexistindo os direitos à privacidade e à soberania pessoal, o cidadão fica à mercê do Estado. Como, aliás, ocorre e ocorreu em todos os regimes autoritários, aqui mesmo e alhures.
Ao contrário do que muitos falsos moralistas da esquerda apregoam, o sigilo bancário não existe para ser uma cortina de fumaça, com o propósito de esconder falcatruas. O sigilo bancário, como uma das facetas do direito à privacidade, visa proteger o cidadão das arbitrariedades do Estado e daqueles que exercem o poder.
Esperemos que o Senado Federal corrija esse atentado absurdo contra a cidadania, não concedendo ao Fisco poder tão devastador, que na verdade é um enorme passo atrás na construção de uma sociedade democrática e livre.
Enquanto isso, há menos de dois meses, no dia 31 de julho, o presidente Bill Clinton sancionou a Carta dos Direitos do Contribuinte ("Taxpayer Bill of Rights 2"), aprovada por unanimidade no Senado e na Câmara, instituindo uma série de direitos do contribuinte americano face ao Fisco daquele país e protegendo-o contra ações arbitrárias das autoridades fiscais.
Dentre outras inovações, ela cria a figura do advogado do contribuinte, que se reporta ao Poder Legislativo e cuja principal atribuição é assistir o cidadão no seu relacionamento com o Fisco, agindo em sua defesa em caso de atuação atrabiliária por parte dos agentes.
A nova lei propicia também, ao contribuinte intimidado arbitrariamente pelo Fisco, a possibilidade de reivindicar indenização cujo valor pode atingir até US$ 1 milhão. Faculta-lhe também o direito de apelar diretamente à Justiça, sem ter de passar pela instância administrativa, cabendo ao governo o ônus da prova em demandas contra o contribuinte.
Como se vê, a quebra do sigilo bancário, diligentemente aprovada pelos deputados, além de flagrantemente inconstitucional, é um retrocesso no relacionamento da Receita Federal com o contribuinte, pois pretende colocar-nos todos de joelhos face ao Estado todo-poderoso.

Texto Anterior: A violência manipulada
Próximo Texto: TV Cultura; Menção indevida; Fraternidade esquecida; Dia da Imprensa; Rádios; Pluralismo desigual; Cumprimentos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.