São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 1996
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Um mártir da democracia

MOACYR SCLIAR

Cidadãos de Pilar: o presente manifesto tem por finalidade protestar contra o sacrifício de nosso saudoso Frederico. Quem era Frederico, cidadãos? Dizer que ele era um bode é pouco. Frederico era um bode, sim, descendente daqueles bravos bodes que enfrentaram corajosamente a aridez da caatinga nordestina; mas era também um pioneiro. Frederico foi o primeiro representante do rebanho caprino nacional a entrar para a política. Frederico era nosso candidato à Prefeitura de Pilar. E tudo indica, cidadãos, que seria eleito, não tivesse sua existência terminado de forma tão abrupta. Frederico morreu jovem, no início mesmo do que seria uma vertiginosa carreira.
E aí nós temos todo o direito, cidadãos, de levantar uma série de suspeitas. Frederico não estava doente. Poucas horas antes do infortunado óbito ele foi visto mastigando, com todo o apetite, duas espigas de milho, presente de um fã. E logo depois agonizava. Pergunta-se: não terá sido o nosso candidato envenenado? Não terão seus inimigos seguido o exemplo dos sinistros Borgias da política italiana, que pelo veneno liquidavam seus adversários?
Juntemos os fatos, cidadãos. A candidatura de Frederico despertou rancores, ressentimentos. Era, afinal, o representante de uma humilde categoria; com ele, os animais deste país -os jegues, os bois de piranha, os papagaios de pirata, os perus que morrem na véspera, os galos de rinha, tantas criaturas sacrificadas pela arrogância e o egoísmo de alguns ditos seres humanos-, esses animais teriam vez. O que se configurava numa possibilidade inaceitável para alguns. "Vai dar bode", era uma frase que se ouviu muitas vezes em nossa cidade, nas últimas semanas. Cidadãos, para bom entendedor, meia palavra basta. O que eles queriam, evidentemente, era que não desse bode algum em Pilar. Quem? Os cabras, se permitem o trocadilho. Os cabras da peste que integravam a oposição a Frederico. Tanto isso é verdade que uma carreata de apoio a nosso candidato foi atacada covardemente. Frederico escapou ileso aos tiros. E preparava-se para comparecer ao "Jô Soares Onze e Meia", onde sem dúvida eclipsaria até o ministro Serjão. Seus balidos ressoariam por todo o país.
Agora nada disso será mais possível, cidadãos. Frederico, o bode político, já não está entre nós. Mas lá do assento etéreo onde subiu vigia a nossa terra e continua a nos inspirar. Um dia, milhares de bodes entrarão na Prefeitura de Pilar e tomarão o poder. E Frederico, o mártir da democracia, vencerá enfim.

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