São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Allen evoca Groucho Marx em musical

MICHAEL HIRSCHORN
DA "NEW YORK"

Diretor lança em dezembro, nos Estados Unidos, "Everyone Says I Love You", com Goldie Hawn e Julia Roberts

Só o tempo dirá se o novo filme de Woody Allen, "Everyone Says I Love You", será recebido com interesse maior do que o usual em sua estréia, prevista para dezembro nos EUA.
O filme é um musical e inclui, entre outras coisas, Goldie Hawn voando pelos ares e Woody cantando "Goodbye to Love" numa sacada em Veneza(!!).
Será que Woody Allen endoidou de vez? Longe disso. Allen sempre entremeou seus filmes com música. E os "standards" de meados do século cantados pelo elenco de "Everyone", com arranjos do legendário Dick Hyman, serão vistos como tão familiares quanto os créditos de abertura, em letra branca sobre um fundo preto.
A mesma coisa pode, também, ser dita dos personagens -Goldie Hawn como a ex de Woody, num papel à la Diane Keaton; Julia Roberts como a garota pela qual Woody nutre uma paixão neurótica; Alan Alda como patriarca meio pateta; a novata Natasha Lyonne como a filha adolescente muito sabidinha de Woody. E do cenário, que Woody chama de sua própria Nova York "expressionista".
*
Woody Allen - O que posso te dizer sobre meu novo filme? Durante anos tive a idéia de querer fazer uma história em que, quando as pessoas tivessem vontade de cantar e dançar, elas saíssem cantando e dançando.
Para mim, o importante não era que as pessoas soubessem cantar e dançar. Quando chamei pessoas para os testes, eu não lhes disse que teriam que cantar e dançar e não lhes perguntei se sabiam fazê-lo.
Pergunta - Os musicais não têm feito muito sucesso ultimamente no cinema. O que você acha?
Allen - Isso não me importa. Afinal, meu filme não pretende ser um "Guys and Dolls" ou um "My Fair Lady". A idéia era fazer um filme meu em que às vezes as pessoas dançassem ou cantassem, dentro de um contexto.
Pergunta - Você já disse que nunca fez um grande filme. Você estenderia essa avaliação para incluir "Everyone"?
Allen - Sim. Sem dúvida.
Pergunta - Em que ponto você decide que "esse não é meu grande filme"? E como você procede, partindo desse ponto?
Allen - Bem, geralmente percebo à medida que vou fazendo o filme. Mas não é nada que a gente faça. É apenas um sentimento de lamentar alguma coisa, que vai se apoderando de você. Você sente: "Bem, espero que as pessoas gostem desse filme, espero que se divirtam com ele. Espero..."
Pergunta - Seu filme novo tem um número musical dos irmãos Marx. Você decidiu que iria incluir uma homenagem a eles?
Allen - Não foi uma coisa tão calculada. Quando estávamos em Paris, eu estava tentando imaginar algum baile cheio de clima ao qual os personagens poderiam ir.
Pergunta - Uma das melhores cenas que vi em seus filmes, em muito tempo, é a de você e Goldie Hawn usando suas fantasias de Groucho Marx. Parecia que vocês nem estavam representando. Foi improviso?
Allen - Bem, foi improvisada mesmo, em parte. Esse é um tributo a Goldie, porque eu nunca antes tinha trabalhado com ela, e ela revelou ser a pessoa ideal com quem trabalhar. Foi como se nos conhecêssemos havia anos.
Pergunta - Nesse filme, vemos Julia Roberts no consultório do psiquiatra. Por que a psiquiatria é tão presente em seus filmes?
Allen - Eu já expliquei esse ponto em outras ocasiões, mas continuo achando interessante. Para os primeiros comediantes -Chaplin, Keaton-, a área de representação era externa. Eles se preocupavam com a locomotiva, as máquinas, o rinque de patinação. Mas em determinado momento, quando a coisa freudiana começou a penetrar na consciência comum das pessoas, a área de representação passou a ser interna, e de repente o que interessava às pessoas não era mais se você conseguia fazer a máquina funcionar ou o caminhão andar, mas as nuances psicológicas no cérebro. O palco dos conflitos internos é o lugar onde a comédia moderna e o drama moderno operam.
Pergunta - A cena da dança em volta do caixão, ao som de "Enjoy Yourself", na funerária Frank E. Campbell, lembra o momento "Joey Five Cents" em "Annie Hall". Possui uma filosofia de vida semelhante, afirmativa e simples. Você a vê como sua própria filosofia, em algum nível?
Allen - Bem, se você pensar no assunto, é difícil não ter essa filosofia. Não importa quantos livros você leia e quanto tempo você leve lendo-os, no fim das contas tudo se resume a isso.
E eu me lembro dessa canção ("Enjoy Yourself") de minha própria infância, e me lembro de como a achava assustadora quando era criança. Porque essa é a verdade, na realidade. Estamos aqui por pouco tempo e temos que fazer o melhor que podemos, e tudo acaba antes que a gente se dê conta disso. Então é a filosofia mais simples do mundo.
New York - Mudando completamente de assunto, notei que você estava no desfile Versace Versus, na primavera passada. O que você achou do desfile?
Woody Allen - Adorei. Eu me diverti demais. Adoro assistir desfiles de moda, porque é um tipo fantástico de teatro, curtinho, instigante e divertido, e acho esses estilistas extremamente criativos. Com o passar dos anos venho me interessando cada vez mais por eles e apreciando cada vez mais sua habilidade.
No momento não tenho interesse nenhum em fazer um filme sobre moda. Mas eu não hesitaria em fazer, se o tema viesse à minha cabeça. Acho que eu ficaria hilariante surgindo na passarela no final de um desfile de moda, ladeado por modelos lindas e sorrindo para todo mundo enquanto os flashes pipocam.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: Cristão vai poder confessar os pecados via Internet
Próximo Texto: Legião Urbana se desencontra do rock'n'roll
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.