São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 1996
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Democracia participativa

RAUL PONT

A Frente Popular, liderada pelo PT, governa Porto Alegre há oito anos com crescente hegemonia política na cidade. Em 88, Olívio Dutra venceu as eleições com pouco mais do que um terço dos votos (não havia o sistema de dois turnos). Tarso Genro, em 92, recebeu 48,5% no primeiro turno e 60% dos votos no segundo turno. Neste momento, os indicadores apontam para mais um mandato da Administração Popular.
Num Estado com forte tradição político-partidária (PMDB, PDT, PPB) e numa cidade marcada pelo revezamento governamental, um terceiro mandato consecutivo da Frente Popular assume uma dimensão singular. As razões que explicam esse feito, que começa a adquirir um caráter emblemático para administrações democrático-populares, são simples.
Desde o primeiro governo, apostamos na democracia participativa como superadora do desgaste e das insuficiências da tradição meramente representativa das instituições legislativa e executiva na ação governamental.
Os conselhos municipais, o Orçamento Participativo (carro-chefe do nosso governo), os conselhos escolares, as comissões de obras e serviços foram criados e consolidados para ser canais de conhecimento, apropriação e, principalmente, deliberação da sociedade sobre o Estado. Esse trabalho voluntário, espontâneo, de formação da cidadania passou a construir e decidir o orçamento público de Porto Alegre, envolvendo milhares de pessoas.
No momento em que a comunidade passa a ser protagonista de sua história, facilmente se invertem prioridades, e as carências sociais afloram por meio dos sujeitos que as vivenciam e por eles são resolvidas. O saneamento básico, a pavimentação, as escolas, as creches, as unidades sanitárias, a habitação se sobrepõem ao supérfluo e ao suntuoso. A lógica do transporte coletivo subordina o automóvel.
A participação popular torna o governo mais transparente, impede a corrupção e altera o funcionamento da estrutura administrativa pública, dando-lhe outro ritmo e outra relação com a sociedade.
Mas o reconhecimento majoritário que Porto Alegre dá ao governo da Frente Popular não ocorre apenas por sua competência, capacidade de investimento (média de 17% ao ano, no mandato) e realização das obras decididas no Orçamento Participativo.
A crescente legitimação da Frente é o resultado da firme resistência que Porto Alegre faz ao projeto neoliberal de FHC e ao governo de Antônio Britto. Para nós, reforma do Estado não é atacar a Previdência, desmontar a estrutura estatal, privatizar empresas públicas e abdicar de seu papel regulador.
Precisamos é de reforma tributária progressiva, reforma agrária, distribuição de renda e um Estado que estimule um projeto nacional.
Nos orgulhamos de não demitir funcionários nem responsabilizá-los pela crise, mas ter ampliado sensivelmente os quadros funcionais e os serviços na saúde e na educação.
O povo de Porto Alegre reconhece nossa ação no combate ao desemprego e à desigualdade social. Sabe que são gerados por uma política econômica recessiva baseada na manutenção de uma falsa paridade cambial do real com o dólar, graças à política de juros que tange a agiotagem.
As iniciativas de crédito comunitário aos micro e pequenos empresários, as incubadoras tecnológica e empresarial, os programas de emprego e renda são formas de resistência à excludência do neoliberalismo. Essa visão sustenta, também, nossas políticas na assistência social, na materialização do Estatuto da Criança e do Adolescente, no combate à discriminação racial e de gênero.
Mas o reconhecimento maior reside no fato de não abrirmos mão de um Estado regulador da anarquia e da espontaneidade do mercado, que hoje só favorecem os grandes monopólios e grandes bancos.
Nossa ação social parte do princípio de que, sem valores éticos e morais, sem um Estado que estimule a igualdade, a solidariedade, sem a subordinação do avanço científico e tecnológico aos interesses das grandes maiorias, cada vez mais excluídas por esse modelo, consolidamos uma sociedade excludente e exploradora.
Dessa forma, Porto Alegre aprova e confirma um projeto democrático-popular alternativo à crise atual.

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