São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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Cade quer vigiar planos de privatização

ALEX RIBEIRO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A conselheira do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) que propôs a suspensão do uso da marca Kolynos por quatro anos acha que o governo precisa se preocupar mais com a concorrência nas privatizações e concessões de serviços públicos.
"Há uma zona cinza nessas áreas", afirma Lúcia Helena Salgado, que foi relatora no Cade do processo envolvendo a aquisição da Kolynos pela Colgate. O Cade é ligado ao Ministério da Justiça e cuida da defesa da concorrência entre empresas.
Para Lúcia Helena, o fato de já haver no Cade processos envolvendo empresas privatizadas é, em tese, um sinal de que há problemas no programa de desestatização.
"Vamos tratá-las como qualquer outra empresa. Não importa que tenham sido fruto de privatização ou não", disse.
Lúcia Helena explica que foi melhor propor aos conselheiros do Cade a restrição ao uso da marca Kolynos do que tentar obrigar a Colgate a vender a empresa.
"Uma outra empresa compraria a marca e ficaria com 51% do mercado. Não adiantaria nada."
Ela prevê que outras duas empresas deverão se interessar pelo mercado brasileiro no período em que o uso da marca Kolynos estiver suspenso.
"Estaremos avisando para os concorrentes que estão fora do Brasil: vocês têm quatro anos para entrar. Venham rápido."
Lúcia Helena acha que, em um primeiro momento, os consumidores vão ficar "aborrecidos" ao não encontrar a marca preferida nos supermercados. Mas, para ela, os benefícios vão ser maiores a médio prazo.
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Folha - Por que a sra. propôs a restrição ao uso da marca Kolynos?
Lúcia Helena Salgado - O caso envolvia concentração muito alta em uma marca popular, de uso das classes C, D e E.
Uma decisão clássica de mandar a Colgate vender a Kolynos significaria que uma outra empresa compraria a marca e teria 51% do mercado. Não adiantaria nada.
Folha - O que pode ocorrer se a Colgate aceitar a suspensão da marca Kolynos?
Lúcia Helena - Estaremos avisando para os concorrentes que estão fora do Brasil: vocês têm quatro anos para entrar. Venham rápido. Acho que pelo menos duas empresas vão entrar. Daqui a quatro anos, quatro grandes estarão brigando.
É difícil uma competição mais intensa. A rivalidade é maior do que quando existe um mercado muito pulverizado. As empresas realmente se odeiam, brigam mesmo.
Folha - Mas muitos consumidores não vão mais encontrar sua marca preferida.
Lúcia Helena - Em um primeiro momento, alguns consumidores vão ficar aborrecidos. Mas eles vão ter um benefício maior daqui a quatro anos, quando existirem quatro empresas brigando pelo mercado, além da marca Kolynos de volta.
Folha - Por que a decisão se concentrou na marca, e não em ordens de venda de fábricas?
Lúcia Helena - No mercado de cremes dentais, a concorrência se baseia em marca. O consumidor tem dificuldade de avaliar a qualidade dos produtos que ele está adquirindo.
Ele se pauta pela imagem. A Kolynos está no mercado desde os anos 20. É difícil para outro produtor entrar nesse mercado.
Folha - Por quê?
Lúcia Helena - O concorrente teria de fazer um investimento enorme de construção de uma imagem. Isso poderia tornar inviável o retorno econômico do investimento em um prazo razoável. O preço do creme dental no Brasil é baixo, e o mercado, relativamente pequeno.
Folha - Não está na hora de levar a cultura da concorrência para dentro do próprio governo?
Lúcia Helena - Temos interesse em tornar mais significativa nossa participação em duas áreas: privatização e concessão de serviços públicos. É preciso que a regulamentação das concessões leve em consideração a defesa da concorrência.
Se houver abuso de poder econômico na área de eletricidade em uma determinada região, que providência vai ser tomada? Há uma zona cinza nessas áreas, que é preciso esclarecer. Essa vai ser nossa nova frente de trabalho.
Folha - Mas o programa de privatização está em curso desde o governo Collor. A sra. já vê algum problema?
Lúcia Helena - Em tese, sim. Já existem processos no Cade envolvendo empresas privatizadas. Vamos tratá-los como qualquer outra empresa. Não importa que tenham sido fruto de privatização ou não. Minha preocupação é que nesses casos estamos tentando remediar.
O Estado deve ter o papel preventivo. Se tivermos algum poder de comando sobre como as empresas vão ser privatizadas e quem vai comprá-las, acho que a possibilidade de sucesso é maior.
Folha - A Federal Trade Commission suspendeu nos Estados Unidos a compra da Metal Leve pela Mahle. O que a sra. achou dessa decisão do órgão de defesa da concorrência dos Estados Unidos?
Lúcia Helena - Foi muito bom. Passa a mensagem de que os organismos de defesa da concorrência existem não só no Brasil. Isto é, não se trata de uma visão tupiniquim. Não temos um organismo autoritário de defesa da concorrência. Pelo contrário. Temos sido mais flexíveis e liberais que nossos congêneres.

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