São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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O trem, o helicóptero e o "Fura-Fila"

JOSÉ SARNEY

Nas velhas campanhas americanas, o trem era uma peça simbólica. Enfeitado, bandeira por todos os lados e, no último vagão, o palanque do candidato. No século 19, o trem era a vedete.
Os ingleses espalharam caminhos de ferro no mundo inteiro. Até hoje surpreende a malha que eles construíram na Índia e que permanece funcionando. Os mineiros, dentre os brasileiros, foram os que mais gostaram de trem. Até o transformaram, usando-o na linguagem popular como sinônimo de "coisa", "troço" ou de "chance".
A atração do trem não existe mais. Candidato bom é o que usa helicóptero. Um helicóptero faz um sucesso danado. No Nordeste, ganha eleição, o povo olhando aquele pássaro desengonçado, todo aleijado, fazendo piruetas. Um caboclo disse-me:
"Esse bicho avoa que nem a sariema!" (esta também voa desajeitada).
São histórias do velho interior do Brasil. Mas a cada tempo, sua moda. Vejo um novo personagem das campanhas políticas, a despertar controvérsias: o tal "Fura-Fila". É uma criação das artes dos efeitos especiais, do milagre da eletrônica e da TV, que substitui em São Paulo o trem do passado e o helicóptero do interior. Aqueles existiam, ninguém duvidava deles.
Mas não sei por que o "Fura-Fila" é contestado. Ele existe? Não existe? Funciona? Não funciona? Mas como não existir e não funcionar se ele passa todo dia pelos nossos olhos, nas telas de TV?
O mundo da comunicação visual dá nesses equívocos. Vale o que se vê, o mundo encantado das coisas que se criam com duas mãos, e desconfia-se das coisas que existem e não existem.
Já ouvi paulistas indignados falarem palavrões contra o "Fura-Fila", como se ele fosse um ser vivo, assim como já ouvi os maiores elogios, "maravilha do mundo", "a grande solução", "beleza"...
A verdade é que o mundo das campanhas eletrônicas está acima das idéias. Nas grandes cidades é impossível andar, está tudo engarrafado. A civilização do automóvel, quanto tempo vai durar?
A solução é o trem, o "Fura-Fila", o metrô, as esteiras rolantes, ou a solidão do homem obrigado a ficar em casa, com o seu computador, trabalhando sem andar, preso pelo serviço e pelo medo da violência que vai do trânsito aos assaltos de todas as motivações?
Por isso mesmo, Galbraith, economista e grande humanista, alertou: "Estamos construindo o conforto mais desconfortável que o homem já conheceu na história da humanidade".
No fundo de tudo está o grande problema da civilização industrial, da qualidade de vida, das megalópoles. E nada melhor do que sonhar soluções.
Acho que para combater os "Fura-Filas" só basta a idéia de dizer ao eleitor: "Eu, prefeito, você não precisa de "Fura-Fila". Fique em casa, deitado, no videogame, jogando "Fura-Fura".
Como ele é uma invenção alemã, que tal o Kohl, chanceler germânico, que está no Brasil, dar uma entrevista sobre o "Fura-Fila"?

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