São Paulo, sexta-feira, 20 de setembro de 1996
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Ainda a Justiça Militar das PMs

HÉLIO BICUDO

De um modo geral, quando falecem argumentos realmente consistentes para a defesa de uma idéia, apela-se, como aconteceu em artigo recentemente estampado em "Tendências/Debates", sob a epígrafe "Equívocos da imprensa e de outros", para questões laterais, buscando a desqualificação das pessoas que se situam em planos adversos, ainda que possam preexistir supostas contradições, chegando ao cúmulo, para preencher o vazio de suas lucubrações mentais, de consolidar erros de vernáculo veiculados por terceiros para chegar a conclusões que alimentam a megalomania de quem as repete.
Tudo isso, para, de forma tortuosa, permitir-se a conclusões que nada têm a ver com o cerne da questão: deve ou não prevalecer a competência da Justiça Militar das PMs para a instrução e julgamento dos delitos de policiamento.
Aliás, para desfazer confusões, vale distinguir, na atividade parlamentar, projetos de leis ordinárias que objetivam, como na espécie, a alteração de regras processuais e projetos de emendas constitucionais de espectro bem mais amplo.
Nesse caso, o articulista misturou alhos com bugalhos. O processo legislativo ordinário é mais expedito, pois as alterações propostas podem ser aprovadas por maioria simples, em votações singulares na Câmara e no Senado, em tempo brevíssimo, sobretudo se lhes der tramitação urgente, quando os pareceres das comissões técnicas envolvidas se dão na própria sessão de votação.
Ao contrário, uma emenda constitucional demanda discussões mais profundas, buscando, para sua aprovação, consenso mais amplo. Quando o Executivo encaminha um projeto de emenda, sabe de antemão que a proposta pode sofrer modificações, com as quais pode vir a assentir, uma vez convencido.
Ora, o que está em discussão na forma do projeto que sofreu deformações na Câmara e no Senado, a demandar correções até mesmo de fundo constitucional, é o problema conceitual de uma Justiça Militar para julgamento de crimes comuns.
O policial militar não é militar na melhor acepção da palavra, porque ainda que se considere que a PM é forma auxiliar do Exército, somente atua como tal quando convocada para o serviço militar específico. Fora disso, os milicianos são apenas policiais, de tal arte que, ao cometer crimes, estes não são militares, mas comuns.
Nem se objete que um militar das Forças Armadas, ao contrário do que dispunha a legislação anterior, nos homicídios praticados contra civis, passa agora a ser julgado pela Justiça comum.
Se o articulista tivesse estudado com maior atenção todo o processo que redundou na lei 9.299/96, iria verificar, antes de mais, que o projeto que deu origem a esse diploma não é da autoria do deputado José Genoino, e depois nada impede, antes, tudo aconselha, que o projeto 899/95, aprovado em votação nominal na Câmara dos Deputados e que sofreu alterações substanciais impostas por uma negociação que importou apenas em sua aceitação parcial, uma vez convertido em lei, venha a ter arguida a inconstitucionalidade de parte dele, como acontece com o parágrafo que dá ao Inquérito Policial Militar a decisão do que deva ou não deva ser remetido à Justiça comum.
Na verdade, o projeto em questão era muito mais completo e continha, nessa hipótese, a exclusão da Justiça Militar "in genere".
Tenha o articulista, que escreve "pro domo sua", por certo que a atividade parlamentar se exerce voltada para um conteúdo maior, tendo em vista o interesse público e não as mesquinhas satisfações de corporações que ainda se apegam ao ranço de formulações que se constituem em lixo que a democracia, ainda que lentamente, vai eliminando.
É por isso que não se considera resolvido por inteiro o problema da Justiça Militar das PMs. Fazê-lo é o objetivo de quantos se alinham dentre aqueles que realmente têm compromissos com o Estado de Direito democrático.

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