São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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O pacote dos Estados

CELSO PINTO

Mais uma vez. Brasília lança um pacote de resgate de Estados falidos, inaugurado, sexta-feira, com o Rio Grande do Sul. Quais as chances de esse pacote ter um final menos infeliz que tantos outros?
É preciso partir de uma constatação pragmática: a dívida dos Estados tornou-se impagável -e, no caso da dívida em títulos (mobiliária), já não vinha sendo paga desde 94. Por maior apetite reformista que tivessem os Estados, não haveria como resolver a dívida sem refinanciamento.
Tome-se o exemplo gaúcho. O governador Antônio Britto cortou 30 mil dos 210 mil funcionários que encontrou, com economia de R$ 312 milhões por ano, reduziu R$ 120 milhões de gastos ao acabar com os repasses de recursos para as estatais, economizou outros R$ 500 milhões em gastos de custeio, está vendendo sua telefônica, portos, energéticas, seguradoras etc. Toda a economia de R$ 912 milhões por ano já feita significa pouco mais de um ano de juros de sua dívida mobiliária.
A dívida mobiliária, que era de R$ 1,2 bilhão em 91, passou a R$ 6,1 bilhões hoje, por conta dos juros estratosféricos. Se nada fosse feito, a dívida subiria a R$ 87 bilhões em 2.026. O efeito dos juros foi tão devastador que o Banco Mundial (Bird), que ajudou a inspirar o programa de ajuste, sugeriu à Fazenda que perdoasse parte da dívida mobiliária para torná-la pagável. A Fazenda recusou.
Bom, mas se os Estados já não pagavam nada desde 94, qual a diferença? "Credibilidade", diz Britto. Quando Britto assumiu, o Bird comunicou-lhe que estavam suspensos quaisquer empréstimos, dada a situação financeira do Estado. Com o acordo fechado sexta-feira, o próprio Bird tem uma lista engatilhada de US$ 550 milhões em empréstimos ao Estado.
Mas quem garante que os Estados não vão repetir a mesma irresponsabilidade passada? Num acordo de 30 anos de prazo, é impossível ter certeza. Brasília, de todo modo, tomou suas precauções.
O acordo com os Estados funciona como uma espécie de FMI interno, com metas trimestrais para o nível do déficit, arrecadação, gastos com pessoal etc. As metas só virarão semestrais quando os Estados cumprirem certas metas gerais.
Ao montar o acordo, a Fazenda, com ajuda do Bird, chegou a uma relação que considerou ideal para o endividamento: que a dívida total não ultrapasse o equivalente a um ano de arrecadação líquida. No caso dos gaúchos, a relação hoje é dois anos. A pior situação é a de Mato Grosso do Sul: 3,8 anos. O outro parâmetro é que o serviço da dívida dos Estados não ultrapasse 13% a 15% da receita líquida anual, para conseguir ser pago.
No caso do Rio Grande do Sul e de Minas, o programa começa comprometendo 11,5% da receita e sobe 0,5% ao ano, até 13%. A projeção é que a relação de um por um seja atingida em 2008.
Mesmo reduzindo seu endividamento relativo, o refinanciamento abre espaço para contratação de novas dívidas (como o empréstimo do Bird), sem piorar a relação global. Quanto à emissão de títulos, só será permitida depois que a relação chegue a um por um.
O Estado, portanto, acaba aumentando um pouco o desembolso com o serviço da dívida (que, no caso gaúcho, era de 11% da receita líquida), mas também abre espaço para tomar algum empréstimo novo. E permite liquidar a dívida em 30 anos.
Quais as garantias? O governo federal pode se apropriar da receita de ICMS e dos repasses federais se o Estado ficar inadimplente. Além disso, se o Estado parar de pagar, perde automaticamente o benefício do subsídio implícito na diferença entre os juros mais baixos (IGP-DI mais 6% ao ano) em relação aos juros de mercado (algo como IGP-DI mais 12%).
Finalmente, como o acordo só vale depois de votado pela Assembléia Legislativa, vira lei, eliminando as reclamações futuras por conta da autonomia federativa. Se for preciso, os acordos também serão votados pelo Senado.
Qual o custo para o governo federal? A diferença de juros, o que, a longo prazo, pode ficar em torno de 3% a 4% ao ano. Como os acordos prevêem que os Estados paguem imediatamente 20% da dívida mobiliária com ativos (empresas para serem privatizadas), o subsídio implícito diminui. O programa acaba ajudando Brasília a empurrar os Estados a privatizarem. E seguirem reformas.
Os acordos englobam a dívida mobiliária, dívidas com o programa da CEF e outras dívidas de curto prazo (exceto empreiteiras). Os próximos Estados a entrarem são Minas, Rio, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Alagoas. Há conversas com Pará e Sergipe. São Paulo, como de hábito, é uma incógnita.

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