São Paulo, domingo, 22 de setembro de 1996
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Domingo na TV

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA FOLHA

Nos últimos dias, muito tem se falado das baixarias e aberrações que ocupam as telas de nossos televisores nas tardes e noites de domingo.
Não são nas tardes e noites de domingo, mas também na semana toda, quando os galãs de plantão não conseguem chegar ao segundo intervalo sem tirar suas camisas, jogando nos pratos de sopa dos telespectadores seus peitos peludos, enquanto suas heroínas alimentam as reportagens de bastidores de programas mais apreciados pelos umbigos de seus produtores que pelo público em si, dando receitas de como os decotes devem ser e qual o cumprimento da saia permitida pelo decoro público.
Essas estrelinhas, ainda com as mãos sujas de graxa da oficina de talentos, deveriam se preocupar mais em vestir um personagem do que despir o que se convencionou chamar de "modelo e atriz". Seus chefes deveriam prestar mais atenção no que está acontecendo com seu público, que começa a dar sinais de que os controles remotos terão em breve mais do que dois canais.
Ou talvez as emissoras devessem usar melhor seus arquivos internos, que alimentam programas como "Vídeo Show" ou "Memória Band", para lembrar o que era feito antes, quando deixar cair sabonete numa banheira não era gincana -era um perigo- e aberrações humanas eram expostas no circo e não na TV em plena hora do "brunch".
Essa definitivamente não é a era do "Homem Elefante" ou de "Gypsy Rose Lee", a rainha do strip-tease.
Só para lembrar, vamos ver o que era uma programação de domingo mais especificamente, no dia 1º de março de 1964, pouco antes da revolução:
Depois das aberturas oficiais de cada emissora, as crianças podiam assistir a seus desenhos animados, enquanto os pais, naquele que era então o maior país católico do mundo, assistiam a programas religiosos ou a uma partida de futebol.
Domingo também era cultura, com um curso de madureza às 9h30, seguido por um concerto matinal, transmitido do Teatro Municipal. Dá-lhe mais cultura com "Festival Internacional Invictus", apresentando um país e suas curiosidades.
Idalina de Oliveira apresentava um programa para público específico (bem antes da TV a cabo) chamado "Imóveis em Revista", enquanto Silvio Santos (já) chegava com "Ganhando e Apostando".
Sílvio Mazzuca e orquestra eram o "Show do Meio Dia".
A tarde era do "Circo Eletro Radiobráz", com Arrelia e Pimentinha, "Dr. Kildare", documentários, esportes, guia de cinemas, "Estórias Chenibra", apresentadas por Shirley Temple, "Disneylândia" e, para terminar a tarde, "Grande Gincana Kibon", apresentada por Blota Jr. e Neide Alexandre, na Record, enquanto a Excelsior entretia os adolescentes com seu "Festival da Juventude".
A noite prometia um "Domingo de Gala" com Mário Moraes, os humorísticos "O Riso dos Cinco", "TV Stuart - Canal Zero", "Show do Golias", "Chico Anísio Show Semp" e "A Cidade se Diverte".
Para quem procurava música, Ângela Maria soltava o "Babalu" no "Musical Riachuelo" enquanto Altemar Dutra aparecia em "Audições Nadir".
Uma série de enlatados permeava a programação: "Império", "Papai Sabe Tudo", "Sherlock Holmes" e "Mr. Lucky" eram alguns deles.
A noite terminava com o que de melhor se poderia fazer em teledramaturgia: "TV de Comédia", na Tupi e "Grande Teatro" na Record, onde grandes obras do repertório internacional eram apresentadas pelos elencos das duas emissoras.
Para os insones, uma sessão da meia-noite caía bem. Nesse dia, 1º de março de 1964, Ray Milland estrelava "Markhan".
Daquele domingo até hoje se passaram mais de 30 anos. Mas isso é velho, arcaico, pré-histórico. Hoje, às vésperas do ano 2000, o mais variado que se chega é: Qual aberração temos hoje, produção?

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