São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 1996
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Carrière define papel do diretor no cinema moderno

Roteirista participou de conferência, sábado, no Masp

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Para Jean-Claude Carrière, o roteiro é "um estranho objeto" cuja originalidade consiste em "seu autor trabalhar sobre algo destinado a mudar de forma".
Um dos pontos centrais da conferência feita por Carrière -romancista, dramaturgo e um dos mais conhecidos roteiristas do cinema contemporâneo- sábado à noite, no auditório do Masp, foi a definição desse trabalho. Segundo ele, "seu estatuto é tão vago que não existe um só livro de cinema que conte a história do roteiro
Carrière divide essa história, basicamente, em duas tradições. Em uma, a clássica, em que o roteiro é "uma bíblia, e o diretor, um técnico entre outros". Na moderna, que vigoraria desde o fim dos anos 50, "o roteiro é uma proposição, mas o diretor é o autor, e tudo de vivo e pessoal deve acontecer durante a filmagem".
Carrière julga que uma das qualidades básicas do roteirista é a humildade: saber que trabalha numa obra que será, afinal, de outra pessoa. Mas acredita que um aspecto essencial seja a colaboração, isto é, o trabalho em conjunto, em favor de algo que é maior, ao mesmo tempo, que o roteirista e o diretor: o filme.
Com isso, pensa no roteiro como um texto virtual, "não uma realidade", algo que se aproxima "o máximo possível do filme, sem ser o filme", trabalhando em favor deste último e, depois, tomando seu destino final: o lixo do estúdio, depois de terminada a filmagem.
E Carrière resume seu pensamento sobre o roteiro numa frase: "O trabalho do roteirista não é o fim da aventura literária, é o início da aventura cinematográfica". Daí recomendar aos roteiristas conhecimento técnico de cinema, para saber como se passa "da palavra escrita à aparência de vida".
Esse aspecto de seu trabalho, Carrière articula à discussão sobre a natureza do cinema. Para ele, "se o cinema é só produto, não há razão de colocá-lo na categoria dos meios de expressão".
Essa idéia, ele opõe à de indústria cultural e julga que vale tanto para um país como o Brasil, como para a França. Se esses países considerarem "cinema e TV como um produto, a guerra estará perdida" face à indústria.
Carrière lembrou a pergunta que se fazia em 1990, quando escreveu com Hector Babenco o roteiro de "Brincando nos Campos do Senhor": "Quem conta histórias aos brasileiros, já que o Brasil não faz filmes?"
Para Carrière, os povos precisam, para existir, de contadores de história, desde que essas histórias constituam um meio de expressão, e não uma simples mercadoria.
Pois não há, enfatiza, "razão para que uma expressão cultural destrua outra, mas há toda razão para que um produto comercial destrua outro".

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