São Paulo, terça-feira, 24 de setembro de 1996
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Cidade condenada no Nordeste vive campanha eleitoral sem promessas

PAULO MOTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM JAGUARIBARA

Jaguaribara, no sertão do Ceará, assiste este ano à uma campanha eleitoral inusitada. Como a cidade desaparecerá em poucos meses, submersa pelas águas do açude Castanhão, os dois candidatos a prefeito não têm promessas a fazer.
A posse e a primeira parte da gestão do futuro prefeito ocorrerão na cidade condenada, na qual não vale a pena fazer nenhuma obra. A partir de meados de 1998, o eleito irá administrar Nova Jaguaribara, cidade planejada que vai abrigar os habitantes da área inundada e que hoje ninguém ainda sabe que necessidade de obras terá.
Jaguaribara fica 283 km ao sul de Fortaleza. Com a inauguração do açude, cuja construção foi iniciada em 1995 a partir da liberação das verbas pelo presidente Fernando Henrique, dois terços da área do município, inclusive toda a zona urbana, ficaram submersos.
Orçado em R$ 156 milhões, o açude Castanhão terá capacidade para acumular 6,5 bilhões de metros cúbicos de água para várias utilizações, inundando uma área de 600 km2, equivalente a uma vez e meia o tamanho da baía da Guanabara.
Disputa pessoal
Na falta de promessas, a campanha a prefeito em Jaguaribara se reduz a apenas um dos aspectos que caracterizam as campanhas em geral -a ênfase nas qualidades pessoais dos candidatos.
O comerciante Edvaldo Silveira (PSDB), 38, o "Bacurau", se apresenta como a melhor opção, pois é do partido do governador Tasso Jereissati (que aparece a seu lado no cartaz de campanha) e a construção da nova cidade está a cargo do governo estadual.
O médico Antônio Pinheiro Júnior (PDT), 42, sustenta sua campanha afirmando que, tendo um curso superior, é mais preparado intelectualmente do que Silveira para o mandato.
Os dois já se enfrentaram na eleição de 1988 e Bacurau venceu por três votos.
Para seus eleitores, Pinheiro e Bacurau explicam que não podem prometer obras. "Não adianta construir uma escola se sabemos que a água vai destruir tudo", diz Bacurau. "Só nos resta fazer a manutenção da infra-estrutura existente e esperar as águas", afirma Pinheiro.
Já que as obras de Nova Jaguaribara não estão na alçada municipal, os candidatos também não se arriscam a formular propostas de governo para a nova cidade."Vamos receber uma cidade já pronta. É esperar para ver", disse Bacurau.
Jardins e esqui aquático
A falta de perspectivas transformou a campanha eleitoral num evento frio. Os dois candidatos vivem em Fortaleza e só fazem campanha de sexta-feira a domingo.
Não houve até agora comícios na cidade. Como não há emissoras de rádios, não existe programa eleitoral gratuito.
O trabalho de corpo-a-corpo com os eleitores é feito em visitas domiciliares, pequenas reuniões e conversas de esquina. Paródias de músicas populares veiculadas em carros de som ajudam a divulgar o nome dos candidatos.
A notícia teve um efeito inibidor de novos investimentos, paralisando a economia da cidade.
Como resultado, nos últimos 11 anos, a população de Jaguaribara caiu de 12 mil habitantes para os atuais 7.646, uma agência bancária fechou, todas as linhas de crédito foram cortadas e a produção de leite local despencou de 30 mil para 15 mil litros diários.
Na última campanha eleitoral, o que sobra é a espera indefinida do que será a nova cidade. Na falta de idéias melhores, Pinheiro diz que sonha em transformar Nova Jaguaribara num jardim de flores e promover campeonatos de esqui no açude.
"A regularidade do clima fertiliza as flores e o esqui incentiva o turismo, vocação natural do Ceará", declarou.

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