São Paulo, terça-feira, 24 de setembro de 1996
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Preços, a mais nova praga agrícola

ALOYSIO BIONDI

Os produtores do Paraná vão reduzir o plantio de feijão preto em 10% na próxima safra. Motivo: receberam preços muito baixos nos últimos meses.
Há sobra de estoques para justificar a queda? Não. Mas o produtor não tem condições de guardar colheitas, vendê-las aos poucos. Ficou nas mãos do intermediário.
Os produtores de trigo do Paraná e do Rio Grande do Sul estão desesperados. A colheita começa nas próximas semanas. Os moinhos adiam o fechamento de contratos de compra e os preços despencam: em abril, época em que se decide o plantio, as cotações estavam 50% mais altas, no pico de uma disparada provocada pela incrível queda dos estoques mundiais de cereais em geral.
Qual o motivo dos preços atuais? Os estoques se normalizaram? Não. Em 1994, os estoques mundiais de trigo chegavam a 145 milhões de toneladas. No ano passado, haviam caído para menos de 100 milhões de toneladas.
E agora? Com os incentivos ao plantio dados pelos governos dos EUA e Europa, a produção mundial deste ano vai ser substancialmente maior. Mas, mesmo assim, os estoques crescerão para apenas 117 milhões de toneladas, isto é, ainda uns 30 milhões de toneladas abaixo dos 145 milhões existentes há dois anos.
Detalhe importante: na melhor das hipóteses. Isto é, se daqui para a frente São Pedro não fizer novos estragos nas lavouras mundiais, com quebra na produção a ser colhida.
* Desproteção - Por que, então, os preços do trigo caem? É normal que às portas das colheitas, ou no seu auge, os compradores procurem pagar preços mais baixos para, dessa forma, obterem grandes lucros daí a alguns meses, na entressafra. O comprador, o especulador, ganha. O produtor perde.
É impossível evitar essas manobras? Não. Em todos os países, os governos adotam políticas para evitar prejuízos ao produtor, utilizando duas armas principais: ou compram a produção ou fornecem empréstimos, para que o agricultor disponha de dinheiro para pagar seus compromissos ao longo dos meses e vá vendendo suas colheitas também aos poucos.
Em resumo: a política dos governos é dar condições para o produtor reter suas safras, evitando-se que as colheitas cheguem todas ao mesmo tempo ao mercado, quando os especuladores e atravessadores aproveitam para pagar preços sórdidos a quem produz.
O governo brasileiro, bem ou mal, costumava adotar essas políticas. Mas a equipe FHC, a pretexto de forçar a "modernização" (essa mesma que está quebrando a indústria) da agricultura, anunciou oficialmente, há poucos dias, uma incrível "inovação".
O governo não vai mais garantir preços mínimos nem comprar as colheitas de arroz, feijão, milho, soja, alimentos em geral. Com base na "filosofia neoliberal", a equipe FHC/BNDES diz que "o mercado fixará os preços justos", dentro de um sistema inovador que ela está implantando.
Ou, simplesmente, a instalação de Bolsas de Mercadorias em várias cidades do interior, nas quais, obviamente, os produtores poderão realizar sofisticadas operações de compra e venda, obtendo grandes lucros.
Puro humor negro. José Simão que se cuide. A nova etapa "modernizante" da equipe FHC/BNDES revela, mais uma vez, total ignorância ou desprezo para com a realidade brasileira. Supõe que milhões de pequenos e médios produtores, perdidos por esses grotões do interior, vão "operar" nas Bolsas de Mercadorias e levar vantagem sobre os compradores banqueiros, "investidores" -eles, sim, "amigos dos reis".
Na prática, os agricultores brasileiros vão ficar, mais do que nunca, nas mãos dos intermediários -como os casos do feijão e do trigo já estão mostrando muito bem (no caso do trigo, o governo está sendo forçado a buscar uma solução). Os grandes lucros irão para os especuladores.
Decididamente, a equipe FHC pensa que está em Chicago. Bem entendido: a Chicago das Bolsas de Mercadorias.
Retrato
Produtor paulista de alho, mesmo com tecnologia moderna, é arruinado pelas importações. Passa para a cultura da cebola, investe pesadamente em tecnologia. É arruinado pelas importações da Argentina.
Produtor paulista, de ascendência japonesa, vai ao Nordeste plantar uva itália e equivalentes no vale do São Francisco. É arruinado por importações do Chile -que o Banco do Brasil financia a 8% ao ano.
Aí, o BB executa a dívida e toma dois terços da terra do produtor. Está tudo nos jornais. Retrato dos "newcucarachos".

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