São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 1996
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Rui Moreira lança olhar à cultura popular

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM LYON

Rui Moreira, um dos melhores bailarinos do Brasil, estreou domingo na 7ª Bienal da Dança de Lyon, na França, o espetáculo "De Patangome na Cidade", que representa o trabalho paralelo à sua atuação como integrante do elenco do Grupo Corpo.
Contraponto ao que Moreira realiza no Corpo, "De Patangome na Cidade" foi concebido para espaços camerísticos, que permitem contato mais direto com o público.
Em Lyon, foi apresentado no palco do restaurante Ginger e Fred da Maison de la Danse, com o grupo Será Que?, formado por Moreira há dois anos. Antes do início do espetáculo, foi oferecida uma feijoada (com tempero lionês, que pouco lembra o brasileiro) à platéia que lotou o local.
Em "De Patangome", Moreira lança um olhar sobre a cultura popular, procurando resgatar a simplicidade de manifestações brasileiras como a festa do congado.
Apesar da despretensão, consegue compor imagens delicadas e sensíveis sobre detalhes que se perdem em meio à cultura de massas.
Além de Moreira, a companhia Será Que? reúne os músicos mineiros Guda e Gil Amancio (que também é ator).
Como as manifestações que ocorrem espontaneamente, no meio do povo, o elenco surge da platéia, sem aparatos cênicos. Em seguida, inicia a primeira de uma série de cenas bem articuladas, que mostra uma conversa sem palavras entre os três homens.
Com sons obtidos da percussão nos próprios corpos ou ainda de divertidos ruídos vocais, estabelece-se uma comunicação que vai adquirindo diferentes formas.
Batucando em tambores de metal ou em cerâmicas do vale do Jequitinhonha, que têm formas humanas, ou ainda tocando instrumentos como o trombone, as ações dos músicos estão sempre interligadas à dança de Moreira.
Um dos melhores momentos é quando Moreira realiza um solo em que parece se libertar do virtuosismo técnico que exibe no Grupo Corpo para dançar a partir de impulsos próprios.
Recoberto por um tecido transparente, seu rosto aparece sem contornos, como se sua identidade ancorada nas raízes africanas estivesse apagada, mas em busca de afirmação.
Leve e descontraída, "De Patangome na Cidade", cujo nome vem dos chocalhos usados nos tornozelos pelos participantes da festa do congado, não termina estruturadamente, como os espetáculos convencionais.
Como nas festas de rua, o elenco da Será Que? mistura-se repentinamente ao público para se retirar do teatro-restaurante com a mesma naturalidade com que entrou.

A jornalista Ana Francisca Ponzio viaja a convite da Bienal

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