São Paulo, sábado, 28 de setembro de 1996
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Telecomunicações: um projeto nacional

BRÍGIDO ROLAND RAMOS

Uma verdadeira revolução silenciosa vem acontecendo em todo o planeta. Ela vai transformar radicalmente a vida das pessoas, mas parece que poucos, muito poucos, estão informados do que acontece realmente.
Estamos falando do setor de telecomunicações, que, atualmente, passa por profundas mudanças. O sentido, a propriedade e as finalidades dessas transformações continuam, contudo, desconhecidos do grande público, que somente vai perceber o que se passa quando toda essa história já for um fato consumado.
Vejamos o caso brasileiro. Por meio de uma retórica que não admite o contraditório, estamos dilapidando um patrimônio construído com seriedade e enormes sacrifícios.
Com a liquidação do sistema Telebrás, também acaba o chamado sistema de subsídio cruzado, que permitia ao país, em nome do princípio do serviço público, oferecer serviços de telecomunicações a uma imensa parcela da população que não teria condições de ser atendida de outra forma.
Graças ao modelo Telebrás, imitado por países da Europa, mas execrado aqui no Brasil, o país teve condições de construir um sistema moderno de telecomunicações e, de certa forma, abrangente.
Vale lembrar que mais de 70% dos terminais instalados dão prejuízo à empresa, mas continuam ativados por conta dos subsídios cruzados, oriundos dos serviços e regiões nobres.
Diante da ignorância generalizada, graças, em parte, a setores da imprensa nacional, responsabilizou-se a Telebrás pela demanda reprimida de telefones no Brasil.
Alertamos a opinião pública de que a única alternativa ao modelo Telebrás era o aumento generalizado das tarifas. Além disso, os aumentos ora anunciados são ainda insuficientes para tornar rentáveis os milhões de terminais deficitários, o que nos dá a certeza de que mais aumentos ainda virão.
A Argentina, uma das cobaias preferidas dos economistas neoliberais, resolveu seguir por esse caminho. Aumentou preços e tarifas no montante suficiente para tornar os serviços de telecomunicação lucrativos e para atrair o investimento privado. Acabou com sua demanda reprimida. Agora, o país tem telefones à vontade; faltam apenas os compradores.
Abrimos nosso mercado, oferecemos de bandeja os serviços de telefonia celular, satélites e transmissão de dados e não exigimos nada em troca. Nenhuma contrapartida para a sociedade, nenhuma contribuição e nenhum constrangimento institucional.
O governo aprovou a chamada lei mínima, que vai destruir toda uma estrutura para nada colocar em seu lugar. O fim anunciado do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás, um dos mais capacitados do mundo, que já gerou mais de cem patentes (entre elas as centrais CPA, a fibra ótica e o cartão indutivo), vai substituir o jovem parque industrial nacional por empresas "maquiadoras" ou entrepostos do tipo "Paraguai", que não geram empregos, conhecimentos ou divisas.
Diante desse preocupante quadro, os sindicatos de trabalhadores, tachados de corporativistas pelas "corporations" estrangeiras e seus simpatizantes, têm tentado alertar a sociedade e os empresários nacionais para o perigo que representa esse projeto que transformou o ministro Sérgio Motta no órgão regulador das telecomunicações no Brasil.
Nenhum país desenvolvido abriu mão do controle de suas empresas de telecomunicação. A Alemanha, um dos exemplos preferidos do atual governo, fortaleceu e expandiu a Deutsch Telekom, que hoje, além dos serviços de telecomunicação, opera sistema de TV paga por cabo com mais de 20 milhões de assinantes (vale lembrar que a atual legislação brasileira sobre TV por cabo proíbe as operadoras de telecomunicação de explorar esse serviço, criando uma reserva de mercado para as empresas que atualmente o exploram).
Mesmo aqueles países cujos governos não controlam suas empresas de telecomunicações criaram alguma espécie de salvaguarda. Esses países estabeleceram regulamentos tão duros e cadernos de encargos tão pesados que superam os monopólios estatais. É o caso dos EUA, que possuem uma das legislações mais duras e mais nacionalistas de todo o mundo.
O governo precisa, portanto, ter a coragem de propor um projeto sério para as telecomunicações, sob pena de deixar o país subordinado aos interesses das grandes corporações nacionais.

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