São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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A invasão da PUC

MARIO SIMAS

Há 19 anos, mais precisamente no dia 22 de setembro de 1977, uma quinta-feira, a PUC de São Paulo foi invadida por tropas da Polícia Militar, sob o comando direto do secretário da Segurança Pública, coronel reformado do Exército Erasmo Dias, hoje deputado estadual. Vivíamos sob a presidência de Geisel, e Paulo Egidio Martins respondia pelo governo do Estado.
Dias antes, porque alertada quanto à realização do 3º Encontro Nacional dos Estudantes, a polícia paulista mobilizara 5.000 homens: prontidão absoluta nos quartéis, bloqueio de estradas, revistas pessoais e rigorosa inspeção nos ônibus intermunicipais.
A operação bélica, concebida e planejada pela "Inteligência" da Segurança Pública, contou com a participação de mais de 3.000 milicianos, fortemente armados, em oposição a 2.000 estudantes, desarmados, que na rua Monte Alegre, defronte ao prédio da universidade, portando faixas, protestavam contra a ditadura.
A enlouquecida força foi lançada sobre os jovens ali reunidos e deu como resultado 1.700 detenções, sendo que 852 estudantes foram presos por algum tempo no quartel da Rota; quatro universitárias gravemente queimadas por ação de agentes químicos; salas de aula, móveis, carteiras, lousas, portas, janelas, livros, arquivos e gráfica danificados e incendiados.
Dom Paulo Evaristo achava-se em Roma. Ciente da barbárie, retornou imediatamente para o Brasil. Ao aqui pôr o pé, tranquilizou as famílias dos estudantes, aos quais, por meio da Comissão Justiça e Paz, possibilitou a indispensável assistência jurídica. E, como grão chanceler da PUC, declarou, alto e bom som, que, na universidade, ou se entra pela porta da reitoria, com o consentimento desta, ou pela porta do vestibular, mas nunca por ação de vandalismo.
O dantesco episódio ensejou a instauração de inquérito policial, no Dops, então dirigido pelo delegado Romeu Tuma, hoje senador por São Paulo. Foram indiciados sete jovens, sob a alegação de haver infringido a Lei de Segurança Nacional. O relatório da investigação, no dizer da magnífica reitora, professora Nadir G. Kfouri, revelava mais uma peça de acusação do que o relato equilibrado e neutro dos fatos. Remetido à Justiça Militar Federal, restou arquivado por inexistência de crime.
Paralelamente, na Assembléia Legislativa, foi constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que concluiu pela responsabilidade criminal do secretário da Segurança Pública, daí porque enviados os autos ao procurador-geral da Justiça de então, que simplesmente os arquivou.
Outro inquérito nasceu, por determinação do ministro da Justiça, perante a Polícia Federal, tendo o mesmo objeto do que fora feito pelo Dops. Tudo acabou em águas de batata.
As universitárias queimadas ousaram ouvir o Poder Judiciário e viram reconhecida taxativamente, em duplo grau de jurisdição, a partir do processo ajuizado, a responsabilidade do Estado, porém até hoje não se teve ciência de qualquer ação regressiva contra o agente causador do prejuízo que as atingiu. Isso também é impunidade.
Não se perca de vista que o espírito a movimentar, ontem, as tropas da ditadura contra a universidade é o mesmo que, há pouco tempo, presidiu a invasão da Casa de Detenção de São Paulo, deixando um saldo de 111 mortos, como também, atualmente, fez-se presente de forma notória e marcante no massacre dos sem-terra no Pará.
Registre-se, porque é necessário e porque é história, que o ensandecido proceder da ditadura militar, ao profanar um templo do saber, tutelado pelo Sumo Pontífice, ofendeu, a um só tempo, o espaço físico do campus e o conjunto discente e docente, de ontem e de hoje, porque assim há que se entender o que é a universidade, razão pela qual jamais poderá ser esquecido, merecendo ser lembrado todos os anos, como lição para as futuras gerações.

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