São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 1996
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A nova esquerda

LUÍS NASSIF

De 1964 até meados dos anos 80, a parte mais generosa do país era de esquerda.
Esquerda era conceito vago e genérico, que podia assumir formas centralizadoras, como no velho PC, ou mais democráticas, como no PT e na social democracia. Mas, em todos nós, havia compromissos comuns, de luta contra o arbítrio e defesa dos mais fracos.
Foi uma escola que gerou magníficos exemplos de humanismo, de Josué de Castro e Paulo Freire a Celso Furtado e sua escola de economistas.
A partir dos anos 90, com a abertura econômica e mudança de padrão cultural, o pensamento de esquerda entrou em impasse. No plano econômico, a visão centralista, nacionalista e fechada perdia ímpeto, não apenas no âmbito da macroeconomia, como da gestão do Estado.
No plano sóciopolítico, os esforços para organizar a sociedade nos anos de resistência acabaram por tornar muitos desses grupos reféns de um pensamento corporativista pesado, que os fez perder o foco principal: a defesa dos mais fracos.
No início de 1992, o PT chegou a esboçar bela tentativa de modernização em uma carta-programa que foi inviabilizada, pouco depois, por uma espécie de movimento da contra-reforma, liderado por setores radicais.
Renovação
Mas é engano julgar que o pensamento de esquerda esteja esgotado.
A tradição nacional de solidariedade das esquerdas, depois de revisados alguns dogmas do período anterior, pode ser um dos pilares na montagem da nova sociedade brasileira.
Hoje em dia pode-se dizer que existem duas forças dinâmicas, no plano econômico e social, que podem ser complementares ou antagônicas.
Numa ponta, o movimento de modernização da economia conduzido pelo grande capital.
É uma escola que pretende erigir novas economias em cima dos escombros da anterior. Não há a preocupação com os mais fracos, com as pequenas e micro empresas, com políticas compensatórias e com processos de controle social.
Em geral, batalha-se apenas pela criação de mecanismos financeiros modernos e de desregulamentações de toda ordem.
Na outra ponta, há um movimento de consolidação da cidadania -que deverá ser a pedra de toque da nova esquerda, desde que não se deixe contaminar pelo corporativismo.
País justo
Esse movimento será fundamental para a montagem de um país não apenas moderno, como justo, desde que consiga caminhar nas seguintes direções:
1) Melhor entendimento dos mecanismos de uma economia de mercado, para saber como propor políticas de apoio a micro e pequenas empresas.
A esquerda convencional contemplava apenas a figura do trabalhador. Todo proprietário era jogado no mesmo saco, independentemente do tamanho da empresa.
Gradativamente, a nova esquerda passa a trabalhar em cima de mecanismos de apoio a micro e pequenas empresas. Iniciativas tipo Banco do Povo, de Porto Alegre, indicam a direção.
2) Montagem de políticas sociais descentralizadas, com controle da sociedade.
O caso do Sistema Único de Saúde (SUS) é exemplar por mostrar a capacidade de mobilização das esquerdas, em torno de uma bandeira.
No momento, o SUS padece de vícios corporativistas pesados. Mas há uma escola de especialistas, dentro do próprio PT, procedendo à autocrítica e à reavaliação do modelo.
Em outra frente, a tradição de orçamentos participativos -com participação da comunidade- representa uma revolução modernizadora, no caminho da transparência e do controle das contas públicas.
3) Definição de políticas industriais que, reforçando o dinamismo da economia, aumente a geração de empregos.
O pacto social em torno da Câmara Setorial da Indústria Automobilística tem um significado muito mais amplo do que os resultados imediatos alcançados. Mostrou a necessidade de capital e trabalho se aliarem em defesa de um interesse comum: a manutenção da competitividade da economia.
Nos últimos tempos, Vicentinho voltou a reassumir a dimensão política dos primeiros tempos de Câmara, e a trabalhar reivindicações em torno de políticas industriais.
Ações coordenadoras -como as propostas pela Câmara- ou indutoras de investimento poderão ajudar a definir novo perfil de interferência não-autárquica do Estado na economia.
É através de pessoas como Vicentinho, Tarso, Eduardo Jorge, Genoíno e Fiori, que a esquerda começa a sair do imobilismo e a começar formular uma nova proposta de ação.

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