São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 1996
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De toda parte se vê a Cidade do Salvador

CAETANO VELOSO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Passear pela Bahia é, antes de tudo, passear pela Baía de Todos os Santos. Entrar numa escuna, numa lancha, num saveiro (descendente das caravelas) e sair descobrindo ilhas e deltas, mangues e praias.
A Ponta de Nossa Senhora -na Ilha dos Frades- apresenta uma visão mágica ao visitante que, de manhã, sobe a pé até o alto onde fica a igrejinha: a água quieta não define seus limites e os barcos, lá embaixo, parecem levitar numa transparência azul que apenas se rarefaz à medida que se aproxima da praia.
Na Ilha de Maré, a areia branquíssima é tão fina sob os pés que a gente pensa estar pisando em nuvens. E as mulheres que, em frente às almofadas, lançam e recolhem seus bilros, competem com o mar na criação de rendilhado.
Em Bom Jesus dos Passos -a terra de Gerônimo- o sorveteiro vem até à ponte de atracação com a catimplora às costas e oferece o mais gostoso sorvete de coco do mundo. De toda parte se vê a Cidade do Salvador -a Cidade da Bahia- como se fosse um navio ancorado no fim do mapa, cidade de sonho, acampamento irreal à beira-mar.
Mas não é preciso sair da cidade para passear pela baía. De toda parte, em Salvador, se vê a Baía de Todos os Santos: entra-se num sobrado de Santo Antônio ou do Pelourinho, numa casa da Lapinha ou da Soledade, num prédio novo da Graça ou da Vitória, e, quando menos se espera, o mar entra pela janela.
A não ser que você esteja nos bairros de além-barra -Rio Vermelho, Amaralina, Pituba, Armação, Boca-do-Rio, Piatã, Itapuã-, onde a cidade se abre ao mar aberto, você sempre está cercando a baía, cercado por ela. E quando você desce à cidade baixa e vai até Itapagipe -por Roma, Bonfim e Ribeira-, você se sente nas entranhas da baía, dentro de suas conchas e ostras.
Andar a pé pelo Porto dos Tainheiros, pelo Bogari, pela Penha, pela Boa Viagem é saber disso. Mas mesmo no centro da cidade -no Terreiro, na praça da Sé, na praça Castro Alves- o mar da baía entra pelos olhos, pelos poros, pelos ouvidos: chega em luz, em som, no vento.
No ponto mais baixo do Pelourinho, onde a zona central se une à Baixa do Sapateiro, ao entrar no Restaurante Casa do Benim, o visitante -que agora já sabe que das janelas de fundo desses sobrados do topo da ladeira a baía é visível- entende que está no âmago de uma civilização extinta e futura: a grande Civilização do Atlântico Sul, com suas Europas inesquecíveis e suas Áfricas improváveis, de que a Baía de Todos os Santos é o centro.
O centro deste centro é a Casa do Benim, mensagem de arquitetura deixada pelos senhores coloniais e por Lina Bo Bardi para ser decifrada em combinação com os sabores da culinária imaginária de Ana Célia.

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