São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
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Analista põe rabiscos em dinheiro no divã

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Escrever uma mensagem ou um desenho numa nota de dinheiro pode parecer um gesto banal, mas nenhum gesto é totalmente banal sob a ótica de um psicanalista.
"O grafito numa nota, basicamente, expressa um desejo de comunicação, não só com os outros, mas do grafiteiro com o dinheiro", diz o psicanalista Jeremias Ferraz Lima, que acaba de publicar o livro "Psicanálise do Dinheiro" (editora Mauad, R$ 19,00), um resumo de sua tese de doutorado, defendida em 1995 na UFRJ.
Lima, 50, se debruçou sobre 10.377 notas com textos, desenhos e outras intervenções gráficas, que haviam sido retiradas de circulação pelo Banco Central em 1986.
O psicanalista se deteve, por exemplo, sobre o grande número de notas transformadas em listas de compras -um claro reflexo da inflação crônica dos anos 80.
Fazer uma lista numa nota, como se ela fosse um papel qualquer, diz Lima, "constitui um testemunho da banalização da transgressão observada ao se escrever sobre o dinheiro, pois é destituída, inclusive, de qualquer criatividade".
As mensagens com conotações sexuais mereceram uma análise mais detalhada -análise, a propósito, cuja leitura é um pouco árdua para o leigo, não-familiarizado com o jargão psicanalítico.
Não é por mera coincidência, diz Lima, que 45,89% das anotações em notas que se referem a questões sexuais dizem respeito a homossexualidade ou analidade (variações das palavras ânus, fezes e defecar).
Essa incidência, observa, confirma as teorias desenvolvidas por Freud sobre a relação simbólica que haveria entre dinheiro e fezes.
Escrever numa nota de dinheiro, diz Lima, é "uma manifestação de analidade", um sinal de que algo não foi bem resolvido ou que está sendo retomado da chamada "fase anal" -termo usado por Freud para designar uma das etapas do desenvolvimento infantil pelas quais toda criança passa.
Antes que você se preocupe, Lima esclarece: "Na verdade, ninguém resolve isso na vida. O grafitismo é apenas um exercício dessa analidade mal resolvida", diz.

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