São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
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MULATA COR DO BRASIL

DEBORAH GIANNINI

Foi preciso Ocimar Versolato vir ao Brasil para que Taís pudesse estrear em um desfile: os seus 1,65 m de altura sempre limitaram os seus convites
Taís Araújo não tem 1,77m de altura, não tem um "personal trainer" e não pode ser considerada magérrima, mas arrasou no desfile de Ocimar Versolato com cabelo "black power" e é a musa deste verão
O escritor Jorge Amado, quando a viu, encantou-se. "Obrigado por estar fazendo a Bernarda", disse à Taís Araújo, que então interpretava a personagem da obra Tocaia Grande, adaptada para novela.
Descedente de austríacos, negros e portugueses, a "mulata" Taís Araújo traduz o desejo do brasileiro. Corpo de mulher, jeito de menina, traços delicados e temperamento forte.
Como é comum às musas (vide Vera Fischer e Luiza Brunet), ela obteve evidência antes mesmo de completar 18 anos. A atriz conquistou seu primeiro papel principal aos 17, como a escrava Xica de Silva, da novela homônima, sem nem ter de passar por um teste: tinha a cara -e o temperamento- da personagem, segundo o diretor da novela, Walter Avancini.
A novela estreou em 17 de setembro. Tais completou 18 anos no dia 25 de novembro. Nunca uma maioridade foi tão esperada.
Houve contagem regressiva para que Taís chegasse aos 18 e, finalmente, pudesse fazer a famosa cena da cachoeira, em que ela apareceria nua.
"Me preparei psicologicamente: se eu ficasse nervosa iria piorar, mais tempo eu teria de ficar nua na frente de todo mundo", diz ela.
Quem esperou para vê-la no capítulo do dia 28 de novembro teve a sua grande oportunidade. Posar nua para revistas masculinas não passa por sua cabeça. "A imagem na TV passa, mas a foto fica", afirma.
Boa moça
Apesar da cena audaciosa, Taís não é do tipo que sai à noite, só vai a show acompanhada da irmã e sempre que pode vai à igreja. Mesmo quando vai dançar pagode no fim-de-tarde de domingo na boate Belas Artes, na Barra da Tijuca, tem sempre alguém da família "a espreita".
Morando há dez anos na Barra, de frente para o mar, Taís pode ser vista, nas suas horas de folga, caminhando na orla da praia. "Dificilmente fico deitada na areia, mas não conseguiria viver um dia sem olhar para o mar", diz.
Já para vê-la de biquíni não é tão fácil assim. "No Rio, só coloco biquíni para caminhar na orla, mas costumo usar uma calça bailarina por cima", diz.
Desde que começou a interpretar Xica da Silva, tem evitado expor-se ao sol. "Preciso tomar cuidado com o sol porque a personagem não pode ter marcas", conta. De todas as praias ela escolhe as da Bahia, em especial, as de Porto Seguro.
Bonita por natureza
Para manter o peso de 48 kg e as medidas (89 cm de busto, 62 cm de cintura e 94 cm de quadril), Taís não vive fazendo regime nem tem um "personal trainner". "Gosto de me divertir e malhar ao mesmo tempo", diz ela, que adora dança e odeia ginástica localizada.
"Não faço nada hoje por falta de tempo, mas já fiz muita coisa", afirma. Foram quatro anos de ginástica rítmica (dos oito aos 12 anos), dois meses de capoeira, no ano passado, e algumas aulas particulares de dança-afro, para a novela. "Assim que acabar a novela, em março, volto a fazer capoeira", diz.
Na cozinha, ela só entra para fazer brigadeiro, segundo sua mãe, Mercedes Araújo. Mas na hora de comer, não tem restrições. "Sou um avestruz, como de tudo", afirma.
Quando o espelho e as roupas começam a indicar que ganhou quilinhos a mais, ela "fecha a boca". "Estou numa fase muito gorda de minha vida", reclama a musa do verão.
Mesmo não tendo 1,77 m de altura, nem cabelos loiros, Taís não pode se queixar. Sua beleza conquistou definitivamente o brasileiro, e ela já tem dificuldade em atender os pedidos de capas de revistas, comerciais e desfiles.
Ao contrário do que se observa na TV, ela primeiro foi atriz para depois fazer parte do catálogo de uma agência de modelos.
Começou a fazer teatro com 11 anos e aos 13 foi chamada pela Casting, hoje Ford Models. "Foi a Monique Evans que me incentivou a fazer um book, quando fui fazer o cabelo no salão dela", conta. O fotógrafo, que tinha estúdio embaixo da agência, levou as fotos para Fernanda Barbosa, a então diretora da Ford, que ligou para Taís. Daí em diante fez uma série de comerciais, sendo o mais famoso, o da Antarctica, o "chocolate com guaraná".
Passarelas
Hoje ela faz parte da Elite Models.
Enquanto nas telas ela já fazia sucesso, nas passarelas foi preciso Ocimar Versolato vir ao Brasil para que pudesse estrear em um desfile: os seus 1,65 m de altura sempre limitaram os convites.
Mas Taís não perdeu a oportunidade. Com o único vestido branco da noite e um imenso "black power" na cabeça, roubou a cena no desfile, realizado em dezembro na estação Júlio Prestes, mesmo dividindo as atenções com outras 27 notáveis da TV, incluindo aí Vera Fischer e Patrícia Pillar.
"Foi o máximo, ganhamos aqueles vestidos maravilhosos e um quimono preto, com bordado em dourado, nome atrás, chiquérrimo", conta.
Dia-a-dia
Longe das passarelas e das câmeras, imagine-a de calça jeans, blusa justa e mocassim com salto. É assim que ela se veste no dia-a-dia. E, claro, os cabelos propositalmente desarrumados. "Antes tinha o cabelo na cintura, mas tive de cortar para fazer a Xica da Silva. Agora, lavo, balanço e saio de casa, sem muita preocupação", diz Taís.
Quando tinha os cabelos longos, frequentava o cabeleireiro e fazia massagem capilar de 15 em 15 dias. Cortou-o apenas uma vez, aos sete anos, "para dar para uma amiga colocar na agenda". "Cortei uma franja, fiquei um poodle", brinca.
Maquiagem, ela não usa. "No rosto, no máximo um protetor labial e um rímel transparente. Odeio maquiagem", diz, o que também não faz qualquer diferença em seu caso.
Carreira
Taís foi parar na Rede Manchete quando tinha 16 anos. Sua primeira experiência como atriz foi aos 11, em um teatro infantil. Logo depois, participou da montagem da peça "Procura-se um amigo" de sua professora de teatro, Kátia D'Angelo, que ficou um ano em cartaz no teatro Casa Grande, no Rio. Em seguida atuou na peça "Quarta Companhia", de Desmar Cardoso.
Para trabalhar na Manchete, passou por um pequeno teste e foi apresentada por Kátia D'Angelo ao diretor Régis Cardoso, que estava preparando a novela "Tocaia Grande". "A menina que estava fazendo a personagem Ressu foi para a Globo e o papel foi passado para Taís", conta sua mãe, Mercedes.
Taís ficou quatro meses estudando e, no início das gravações, foi escolhida para representar Bernarda, uma menina de 16 anos que se apaixona por seu padrinho de 50, o jagunço Natário, interpretado por Roberto Bonfim.
A direção da novela "Tocaia Grande", depois de um mês da estréia, em novembro do ano passado, foi transferida de Régis Cardoso para Walter Avancini, que hoje dirige Xica da Silva.
Taís teve quatro dias de intervalo entre uma novela e outra e, para preparar a personagem, foi ver uma cópia do filme "Xica da Silva", da década de 70, de Cacá Diegues.
"O Avancini nem queria que eu visse o filme, mas disse que, se eu quisesse, deveria assisti-lo somente uma vez. Foi o que fiz", diz.
Xica da Silva
Baseada em dados históricos, a novela se passa no século 18.
Escolhida para o papel pelo seu temperamento, Taís é a escrava que conquista o fidalgo João Fernandes, nomeado pelo rei de Portugal em 1751 como contratador do Arraial do Tijuco, hoje equivalente ao governador, interpretado pelo ator Victor Wagner. Ele se apaixona por ela, a compra, lhe dá liberdade e a transforma em primeira-dama, escandalizando a sociedade.
O fato de na época Taís de Araújo ter menos de 18 anos e não ser autorizada a fazer cenas de nudez na televisão levou os telespectadores a uma grande expectativa. Na cena em que o contratador a vê pela primeira vez, ela banha-se nua numa cachoeira.
Foram dois meses de espera e oito pontos de audiência no Ibope (640 mil pessoas), no momento em que ela dança, se despe e mergulha no rio. Na mesma noite, a audiência da novela competia com o jogo entre Grêmio e Palmeiras, exibido pela Rede Globo.
Abordando a escravidão, mesmo tema de "Escrava Isaura", a novela foi vendida a Portugal pouco depois da estréia.
Depois de encarnar a escrava revolucionária Xica da Silva, com as axilas não-depiladas e a pele sem marcas de biquíni, Taís adoraria interpretar a bruxa da Branca de Neve no cinema.
Já recebeu convites para cinema e teatro para o ano que vem, quando encerra a novela, em março, e o contrato com a Manchete, em julho.
Os R$ 7 mil que recebe por mês, a maior faixa salarial da novela, é administrado pelo pai. "'Isso é para você fazer sua vida, comprar apartamento...', é o que ele fala", conta Taís.
Impulsiva para compras, ela consome roupas, livros e CDs, nessa ordem.
Ainda não tem carro (nem carteira de habilitação), mas quer comprar um Vitara, da Suzuki.
Aliás, além de poder ficar nua na novela, a única coisa que mudou para ela após os 18 anos é que agora tem o direito de dirigir. "Assim que terminar a novela, entro numa auto-escola".
Trajetória
Nascida no Méier, zona norte do Rio, Taís mudou-se para a Barra da Tijuca aos oito anos, em função do trabalho do pai, que é economista. Além de já ter viajado duas vezes aos Estados Unidos e uma à Argentina, ela estudou inglês por seis anos e acaba de concluir o terceiro colegial, no colégio Anglo Americano. "Quero prestar cinema, mas não agora", diz ela que pretende conhecer melhor a área em que quer trabalhar.
Atualmente, a única coisa que estuda são os textos da novela, antes de dormir, aos domingos e uma hora antes da gravação. A mãe, a pedagoga Mercedes, a acompanha em todos os trabalhos, desde as novelas até as entrevistas.
Além da irmã Cláudia, 24, Taís também não desgruda de sua "irmã branca", a atriz Carolina Dieckman, 17, que conhece do tempo do teatro.
Outro amigo inseparável é o jogador Gilmar ( ex-Cruzeiro, hoje Zaragoza, da Espanha), que conheceu em uma igreja evangélica. "Eu não sou evangélica porque não fui batizada. Mas gosto de ir à igreja quando posso por que saio de lá com uma paz interior muito grande, muita energia, é muito bom", diz.
Taís também gosta de futebol -influência dos amigos. Além de Gilmar, o "tio" Espinosa (Valdyr Espinosa), técnico de futebol, é seu vizinho no condomínio na Barra e velho amigo.
"Hoje entendo e sei até as regras", diz ela que assiste aos jogos dos amigos pela televisão, mas nunca foi ao Maracanã. No Rio ela é vascaína, em São Paulo é corinthiana. "Gosto de futebol como todo brasileiro, não sou maria-chuteira", afirma.
Mas o que ela adora mesmo são os seus CDs de música brasileira e os seus livros de auto-ajuda. Ela tem ouvido muito Caetano Veloso e Gilberto Gil e devorado páginas de Louise L. Hay e romances de Jorge Amado.
Para dançar, todos os pagodes. Até a "dança da bundinha", do grupo "É o Tchan", antigo "Gera Samba", que segundo ela, surgiu nos bailes funks do Rio.
Símbolo sexual
Atualmente Taís diz que não namora niguém, apenas paquera, "como toda pessoa normal". Segundo ela, teve só "dois namoradinhos na vida". "Eu gosto de coisa séria, acho que por isso namoro tão pouco. Hoje em dia, o povo não está levando a sério, mas eu continuo", diz a musa que sonha em casar na igreja de véu e grinalda e ter quatro filhos.
O seu "homem ideal" não é branco nem negro. "Tendo um belo sorriso e um coração bom, não precisa de mais nada. Até agora, esse tipo de homem ainda não apareceu."
Quanto a sua tão discutida virgindade, Taís se recusa a falar. "Acho que cada um faz o que quer da sua vida. Não quero falar sobre esse assunto."
Quando passa na rua é inevitável não chamar a atenção. Mesmo assim, Taís se considera "supernormal". Ao ser apontada como símbolo sexual, acha engraçado. "Não admitido um símbolo sexual com menos de 1,65 de altura", diz.
Pode até ser. Mas só a lista de convites que recebeu para ser destaque do Carnaval 97 das escolas de samba já desmente.
Para quem desfila desde os nove anos e já saiu na Império Serrano, no Engenho da Rainha, Cabuçu, Unidos da Tijuca e Mangueira, não é nenhuma novidade. A diferença é que, neste ano, ela vai ter de decidir entre Unidos da Tijuca, Grande Rio, Beija-Flor, Mangueira, Vila Isabel, Mocidade Independente, Gaviões da Fiel, Vai-Vai, Portela e Salgueiro ou, quem sabe, várias dessas. Melhor para quem estiver assistindo.

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