São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
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Não tínhamos rostos

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em "Crepúsculo dos Deuses", o sombrio filme de Billy Wilder sobre a decadência de uma antiga estrela do cinema, o personagem Norma Desmond -vivido por Gloria Swanson- explica o fascínio que o cinema mudo exercia sobre o público em uma única frase: "Naquele tempo não precisávamos falar, nós tínhamos rostos".
No Brasil, o rádio reinava absoluto na era pré-televisão exatamente porque: "Não precisávamos rostos, nós tínhamos vozes". E que vozes!!!
As mulheres suspiravam só de ouvir as vozes de Cesar Monteclaro e Walter Foster. Quando eles sussurravam no ouvido de Vida Alves, era como se estivessem fazendo o mesmo em todas as mulheres.
Nos primeiros anos da década de 50, essas vozes já mostravam o rosto na TV, mas sua importância pequena perto da grandiosidade do rádio faziam com que essas personalidades ainda fossem entrevistadas como "radio atores".
A própria Vida Alves era verbete do "Dicionário do Rádio" em pleno 1953, quando a TV já estava a toda .
Os astros do rádio tinham tanta fama, que atores como Lenita Helena e Mauricio de Oliveira foram capa, contracapa e recheio da revista "Radiolar" no dia de seu casamento, em 1951.
A mesma Lenita recebeu mais de 63 mil votos numa eleição feita pela mesma revista para escolher os melhores do ano.
Os cantores tinham tamanho poder de influência, que muitos assinavam colunas nas revistas da época, como Francisco Carlos e sua "Alô, Alô Garotas", "Coluna Nora Ney", "Sua Majestade, Angela Maria", "De Noite e de Dia", escrita por Linda Batista, "Recado de Marlene" e a "Coluna de Doris Monteiro", uma cantora/atriz cuja dicção perfeita faz Frank Sinatra parece fanho.
Aos poucos, as vozes foram se adaptando à imagem e tornaram-se uma coisa só.
Se Cesar Monteclaro deixou de ser galã, tornou-se ótimo apresentador. Assim como Homero Silva, Lima Duarte, que na rádio também fazia as vezes de sonoplasta, estourou para a fama definitivamente com a televisão.
Aos poucos, o pessoal do rádio foi dando vez as caras novas da TV dos anos 60. Sim, caras novas, pois agora já não era tão necessário que essas caras tivessem vozes, embora Francisco Cuoco e Regina Duarte possuam belíssimas vozes e totalmente de acordo com suas "personas" televisivas.
A busca incessante por audiência fez com que atores com formação teatral ou veteranos do rádio fossem substituídos por pessoas de talento duvidoso. Por outro lado, ao menor sinal de cansaço destas novas caras, os departamentos de elenco já os substituem por um rosto novo que fará, assim como os galãs do rádio no seu tempo, que meia dúzia de adolescentes suspirem. Pelo menos durante o verão, pois o suspiro de inverno já será de outro rosto. Ou seja, voltando a Norma Desmond, "Eles pegam os ídolos e os esmagam... e quem nós temos hoje? Uns ninguém".

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