São Paulo, segunda-feira, 6 de janeiro de 1997
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O Rio-São Paulo pode ser melhor que o soneto

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Claro que o certo, o ajuizado, era termos um calendário centrado no Campeonato Brasileiro, com vagas abertas para a seleção e até um ou outro campeonato estadual, se fosse o caso. Mas como o óbvio, o lógico, o racional, não conseguem perfurar as imperfuráveis cartolas dos nossos dirigentes, quanto mais suas mentes de chumbo, fiquemos com o real, que mais parece surreal: esse remendo, como o inesperado Rio-São Paulo, pode vir até a ser melhor do que o soneto.
Pelo menos, esse torneio surge com um dado interessante no seu regulamento: 15 faltas coletivas, cobrança de tiro livre, direto, da altura da meia-lua. Eis uma bandeira que desfraldei há mais de duas décadas e carrego com a convicção de que pode vir a simbolizar a redenção do espetáculo, do jogo de futebol em si.
Explico: o que empobrece, enfeia e irrita no futebol de hoje é essa sequência interminável de faltinhas de meio-campo -puxa daqui, empurra dali, nada muito grave, nem personalizado, já que elas são cometidas em sistema de rodízio pelos dois times. Olhando assim, parece insignificante.
Mas, ao contrário: é vital. Pois é exatamente aqui no meio-campo, no instante da criação, que se mata o perigo, assassina-se a emoção, aborta-se o gol em processo de gestação. Fracciona-se o jogo e espalha-se o tédio pelas arquibancadas.
Muito pior do que o gol perdido cara a cara com o goleiro, o pênalti não marcado, a bola na trave com o arqueiro batido, é sufocar-se a esperança, quando ela começa a nascer no primeiro gesto de criação. Isso, sim, é insuportável.
Ora, o futebol, por sua própria dinâmica e seu perfil peculiar, já é um jogo que alterna, nas medidas exatas, instantes de emoção pura com momentos de reflexão, a preparação do clímax. Sem esta não há aquela, e o que sobrevém é apenas um longo bocejo.
Assim, é fundamental coibir essa sequência de pequenos homicídios consentidos. E, como? Construindo um atalho entre a criação ceifada e a emoção que nem chegou a nascer. Esse atalho é o tal expediente de punir com pênalti ou cobrança de tiro livre, direto, sem barreira, da altura da meia-lua, como prevê o regulamento do Rio-São Paulo.
Só faço uma ressalva: cortaria pelo meio o número de faltas coletivas -ao invés de 15, seriam 7.
Aí, sim, teríamos um espetáculo à altura do que se propõe o próprio futebol.
*
Parece praga de madrinha, ou de alguma escurinha que ele fez ingratidão, como diria mestre Wilson Batista. Ronaldinho deveria ter saído do campo do La Coruña com, pelo menos, três gols a mais no seu currículo. Duas, na trave; outra, raspando, sem goleiro.
Já Mr. Robson, aquela árida ilha cercada de talentos por todos os lados, deveria fugir do estádio e de Barcelona num corredor polonês por deixar seu milionário time acéfalo no meio-de-campo, mesmo tendo De La Peña no banco.
*
Túlio no Corinthians? É, parece que o tal colegiado de notáveis está fazendo milagres no Parque. Menos mal.

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