São Paulo, segunda-feira, 6 de janeiro de 1997
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África de Oryema não é só ritmo e tambor

CELSO FIORAVANTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O músico e compositor Geoffrey Oryema, um dos possíveis participantes da versão brasileira do Womad, chega antes ao país, por meio de seu terceiro disco: "Night to Night".
Oryema já esteve no Brasil, em 1995, quando se apresentou em Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Cria de Peter Gabriel, o músico é uma das figuras mais constantes no festival de world music.
"Night to Night", que está sendo lançado neste mês no Brasil, é a prova definitiva de que Oryema não se ajusta aos estereótipos que fazem da música africana apenas uma mistura de tambores e ritmos frenéticos.
"Estou entre a música das minhas raízes, que são em Uganda, e a do Ocidente. Uganda foi uma colônia britânica durante 60 anos e eu consumi também tudo o que era rock e música anglo-saxônica. Hoje eu procuro um tipo de identidade musical entre as duas culturas", disse em entrevista à Folha de sua casa em Lillebonne, na Normandia (França).
Assim é possível ouvir em um mesmo disco a lembrança dos bons tempos na mesa de um bar em Kampala, a capital de Uganda ("Sardinia Memories"), o melancólico canto de exílio em uma cidade estranha ("At My Window") ou uma psicodélica viagem de trem de volta à cidade natal ("Gari Moshi").
Faça um teste. Peça para alguém ouvir essas faixas. Provavelmente ninguém vai dizer que pertencem ao mesmo cantor. "'Night to Night' é uma resposta às pessoas que pensam na música africana apenas como ritmo e dança", disse Oryema.
Tamanha diversidade se deve à curiosidade do cantor, à sua abertura para novas experiências e também ao trabalho dos quatro produtores de "Night to Night": Jean-Pierre Alarcen, Daniel Lanois, Nicolas Fiszman e Lokua Kanza (uma das jovens revelações da música do Zaire).
A diversidade volta ainda no elenco de músicos presentes no disco, que conta com dois brasileiros: Toninho Ferragutti (acordeão) e Luis Jardim (chocalho).
Segundo Oryema, a "doença musical" o pegou quando ele tinha cinco anos, época em que seu pai o iniciou no instrumento Nanga (uma espécie de harpa de sete cordas). Toca o instrumento na faixa "Naa Dreams".
Suas raízes africanas aparecem ainda em "Gari Moshi", cantada em acholi, sua língua natal (embora Oryema faça questão de ressaltar que suas línguas nativas sejam duas: acholi e inglês). Toca ainda lukeme (um piano nativo) nas faixas "Medieval Dream" e "Passage at Dusk".
Oryema trocou Uganda pela França há 20 anos, quando seu pai, na época ministro dos recursos naturais do governo do ditador Idi Amin, morreu em um misterioso acidente de carro. Oryema fugiu então do país escondido em uma carroceria de caminhão.
Apesar de toda a xenofobia francesa (que recentemente chegou a invadir igrejas para caçar imigrantes), Oryema optou pela França. "Tinha uma lista de países que estavam prontos para me receber. Escolhi a França só porque eu queria aprender a língua francesa. Mas tudo o que fiz nesses 20 anos foi falar do meu país natal", disse.

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