São Paulo, segunda-feira, 6 de janeiro de 1997
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Tabucchi dá vida a heterônimos de Pessoa

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Fernando Pessoa (1888-1935) -poeta que desdobrou sua personalidade em um punhado de heterônimos para os quais inventou biografias, fisionomias e estilos- sempre fascinou estudiosos e escritores pelo mundo afora.
No caso do italiano Antonio Tabucchi, autor dos romances "Noturno Indiano" e "Afirma Pereira", esse fascínio chegou às raias da obsessão.
Principal tradutor e divulgador da obra de Pessoa na Itália, Tabucchi parece ser assediado pelo fantasma do poeta português a cada texto que escreve.
O fruto mais recente dessa monomania é a narrativa breve "Os Três Últimos Dias de Fernando Pessoa", que a Rocco acaba de lançar por aqui.
Em seu leito de morte no hospital de São Luís dos Franceses, em Lisboa, Pessoa recebe sucessivamente a visita de seus principais heterônimos -até mesmo de Alberto Caeiro, que estava "morto" havia 20 anos.
Cada um deles trava um último diálogo com o escritor, que assim passa em revista sua pobre vida e sua múltipla obra.
Didatismo
A idéia de transformar os heterônimos de Pessoa em personagens é, compreensivelmente, uma forte tentação para um escritor.
Esse ovo de Colombo já havia sido colocado em pé pelo romancista português José Saramago em "O Ano da Morte de Ricardo Reis".
Tabucchi não vai tão longe nem em fôlego narrativo nem em poder de invenção. O que ele realiza em seu livrinho é uma espécie de síntese didática da relação de Pessoa com suas criaturas.
O excesso de didatismo -talvez necessário para quem tem em vista o público italiano e europeu em geral- resulta numa certa previsibilidade de diálogos e situações.
Exemplo: antes de ir para o hospital, Pessoa põe-se a ler um livro. Quem é o autor? Mário de Sá-Carneiro, seu amigo e parceiro na renovação da poesia portuguesa.
Outro exemplo: no caminho para o hospital, o poeta contempla a basílica da Estrela, em cujo jardim "costumava marcar encontro com Ophélia Queiroz, seu único grande amor".
Todos os detalhes, enfim, são concebidos para fornecer dados sobre a biografia do escritor.
O didatismo se acentua nos diálogos com os heterônimos. Alberto Caeiro "revela" a Pessoa algo que este já sabia: "Quando durante a noite o senhor era acordado por um Mestre desconhecido que lhe ditava os versos, que lhe falava na alma, pois bem, saiba que aquele Mestre era eu".
Álvaro de Campos, por sua vez, dá uma descrição simplista de sua própria trajetória: "E depois dei de querer decifrar a realidade, como se a realidade fosse decifrável, e veio o desânimo. E com o desânimo, o niilismo".
Delírio
Há algumas invenções interessantes, como por exemplo a revelação, por Ricardo Reis, de que não se exilou de fato no Brasil, mas ficou na aldeia de Azeitão, próxima de Lisboa.
Mas esse tipo de surpresa é raro no livro. Em suma, falta delírio nesse delírio, que entretanto se pode acompanhar com prazer, graças ao estilo elegante e fluente de Tabucchi. Indicado sobretudo para colegiais que começam a descobrir a galáxia chamada Fernando Pessoa.

Livro: Os Três Últimos Dias de Fernando Pessoa
Autor: Antonio Tabucchi
Tradução: Roberta Barni Editora: Rocco (tel. 021/507-2000)
Preço: R$ 13,50 (72 págs.)

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