São Paulo, terça-feira, 7 de janeiro de 1997
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O mito JK - 2

LUÍS NASSIF

Afinal, JK foi um presidente revolucionário ou um voluntarista irresponsável?
Quando assumiu a Presidência, havia uma conjuntura internacional favorável e um conjunto de ferramentas de planejamento à disposição dos governantes.
Esse ferramental havia sido introduzido no país a partir das experiências do plano Salte e da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos.
Em torno de Lucas Lopes -egresso da Cemig, que fora o responsável pelo planejamento de seu governo, em Minas-, JK logrou juntar o mais competente quadro técnico com que um governante brasileiro jamais sonhou, com nomes como Octavio Bulhões, Roberto Campos, Cleantho de Paiva Leite, Celso Furtado, Ruy Miller Paiva, entre outros, todos familiarizados com as últimas técnicas de planejamento público.
Foi esse grupo que ajudou na elaboração do Plano de Metas, que definia cinco prioridades básicas, fontes de financiamento e cronogramas de implantação.
Na reunião inaugural, no entanto, o planejamento foi atropelado pela decisão pessoal de Kubitschek de construir Brasília -uma das decisões mais desastrosas da história do país.
Méritos e vícios
Os méritos políticos de JK são evidentes. Internamente, conseguiu juntar por algum tempo os cacos do pacto político PSD-PTB -tarefa hercúlea depois do suicídio de seu criador, Vargas- ainda que ao preço de um fisiologismo da pesada.
Sua decisão de atrair a indústria automobilística mudou a face industrial do país. Sua maior contribuição ao país foi ter incendiado o imaginário popular com a bandeira do desenvolvimentismo.
Externamente, foi um vendedor extraordinário. Sua viagem pelos países desenvolvidos, após a posse, vendendo a nova imagem do Brasil, foi um feito diplomático que só seria repetido nos anos 90 por Fernando Collor e, agora, por Fernando Henrique Cardoso.
Mas os vícios também eram enormes.
Na posse, a indicação de José Maria Alkmin para ministro da Fazenda era sinal inequívoco da utilização da política econômica como instrumento de cooptação política.
No primeiro ano, com as contas públicas em frangalhos e a inflação começando a subir, JK indicou para o cargo Lucas Lopes. Mas seu espírito irrequieto, seu despreparo flagrante em relação à economia, sua falta de estrutura para receber más notícias fizeram com que, em pouco tempo, rifasse Lucas Lopes -provocando, inclusive, um infarto no amigo-, substituído pelo empresário paulista Sebastião Paes de Almeida, o "Tião Medonho".
JK e Collor
Para driblar a crise provocada pela volta da inflação, JK recorria a fogos de artifício, um atrás do outro, engendrados pela imaginação prodigiosa de Augusto Frederico Schmidt -o mais influente homem de seu governo.
Como a Operação Panamericana -tentativa de criar uma liderança diplomática do Brasil na América Latina. Ou o rompimento com o FMI -depois de ter liquidado com as reservas cambiais brasileiras. Todas elas decisões intempestivas, pouco elaboradas, desorientando os seus auxiliares e a comunidade econômica.
No fundo, o governo JK tem semelhanças com o de Collor. Ambos foram "outsiders" da política, sem vinculação maior com partidos ou amigos. Collor mais responsável com as contas públicas, JK mais discreto nas vinculações econômicas. Mas, com sua falta de limites, ambos arrebentaram com o estabelecido.
Depois, vieram governos incumbidos de cimentar o novo país: Castello e Fernando Henrique Cardoso, o primeiro trazendo sementes autoritárias que atrasariam em décadas o desenvolvimento político brasileiro, mas que consolidariam o modelo industrial.
Mas, sem o caos anterior, não haveria a nova ordem econômica.
Curiosidades
Quem consultar a agenda presidencial de JK provavelmente não encontrará compromissos firmados após as 17h. Amante irrefreável, JK encontrava-se a cada dia da semana com uma amante fixa -cinco paixões permanentes, que ajudaram a amenizar as vicissitudes do poder.

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