São Paulo, quarta-feira, 8 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Dando um olé nos parangolés!

BEATRIZ AZEVEDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cena 1
A Folha convoca para um debate em que será discutida a poesia "depois" do concretismo. Na mesa, Régis Bonvicino, José Miguel Wisnik, Silviano Santiago, Lenora de Barros e o jornalista Marcos Augusto Gonçalves, mediador.
No geral, ficamos sabendo que a poesia concreta foi um divisor de águas na arte brasileira. Para alguns, Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari são grandes poetas, além de excelentes tradutores. Ufa, que alívio voltar para casa tão "up to date"! Extra! Extra! Inédito e exclusivo: Pelé é o camisa 10 da seleção!!!
Cena 2
Outro dia, na Folha, li um artigo de um "jovem" dramaturgo, de 20 e poucos anos, uma ou duas peças montadas. Uau! Que legal! A mídia dando espaço para alguém não consagrado, praticamente desconhecido. Mas não durou nada a minha animação. Esse "Dionísio" (que piada) escreveu um artigo para dizer que Shakespeare e Brecht são grandes dramaturgos; e que Antunes Filho, Gerald Thomas e Zé Celso são grandes diretores de teatro. Nossa, que bom que ele nos atualizou! Estaríamos "out" sem esse artigo revelador!
Cena 3
É muito melhor ver "Bacantes" do Teatro Oficina e a "desexp(1)os(Ign)ição" na Casa das Rosas. Eles estão vivíssimos, os bajuladores é que estão mortos. É óbvio que esses artistas são fundamentais para a cultura brasileira.
Como diria um outro "fundamental", Nelson Rodrigues, é o óbvio ululante. Mas por que a mídia só ilumina o que tem luz própria? E o que é pior, por que a minha geração, quando tem a oportunidade de abrir novas perspectivas, prefere chover no molhado? Será que é porque a vida está tão dura, e todos querem se dar bem, então lá vai confete!
Cena 4
Ou será que é porque teatro e poesia não têm importância econômica, não rola jabá, então todos repetem a repetição: o teatro brasileiro é Antunes, Gerald e Zé Celso; a poesia brasileira é o concretismo. E depois deles não há nada.
A preguiça é tanta e a má vontade maior ainda, que os moderninhos só enxergam o novo de 30, 40 anos atrás. Décadas depois do tropicalismo, da poesia concreta, dos parangolés, nada aconteceu, todos sabemos, os relógios pararam, o mundo parou e ficamos esperando o final do milênio, para depois de inaugurar as estátuas e colocar os devidos nomes em praças e jardins (se é que ainda existirão), possamos renascer no ano 2000.
Intervalo
O novo não é novo. O velho não é velho. O tempo não pára.
Cena 5
A música brasileira tem melhor sorte que a poesia e o teatro. Música pode dar dinheiro. Existem as gravadoras, existe a MTV, existem as rádios e os cadernos teens dos jornais. Para que isso exista, é preciso que surjam artistas novos, isso gera grana, e como todos sabemos, "money makes the world go round", ou então em português de Caetano: "a força da grana que ergue e destrói coisas belas".
Então, o mundo girando, o Herbert Vianna botou o Renato Russo na passarela, o Chico Science abre a roda para outros caranguejos do mangue beat, a Marina quer abrir um selo para dar passagem a compositores novos, o Skank faz todo mundo dançar e vende que nem Roberto Carlos, o Chico César inverte com a sua Cuz Cuz Clã o ritual de todas as brutalidades, e infinitos etcéteras. (É claro que não é um Paraíso, não há espaço para todos, trata-se de indústria cultural, mas já é alguma coisa.)
Cena 6
Nesse ambiente, certamente mais arejado, a troca é possível. Vocês já ouviram o Maracatu Atômico do maravilhoso Jorge Mautner com a Nação Zumbi? Já ouviram a "Vida de Cachorro" dos Mutantes com o Pato Fu? (Viva a louca lucidez do Sérgio Dias que disse que preferia que dessem espaço para as novas bandas do que ficar relançando os Mutantes.)
Já ouviram Bethânia cantando Adriana Calcanhoto, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, com o maior respeito, reverenciando os compositores atuais? Pois é, dá para perceber que o lance tem dois vês: vai e volta.
Cena 7
Depois de ter tido o privilégio de ler quase tudo que Augusto e Haroldo de Campos traduziram com rigor e generosidade cultural e acompanhar atentamente as criações mais recentes; depois de assistir, atuar, participar, comungar, brigar, odiar e amar intensamente no Teatro Oficina, convivendo com a fartura magnânima de Zé Celso; depois de encontrar a muiraquitã de Mário de Andrade nos peitos brancos das Macunaímas (sempre achei que Macunaíma é hermafrodita) do Antunes; depois das iluminações da Eletra do Gerald (só para ficar nos nomes citados nos recentes artigos), não aguento mais ouvir falar só deles, estou interessadíssima em conhecer melhor a poesia que ficou na sombra desse complô de cortinas que não deixa ver além.
Tupi or not SBT, that is the question
Tudo bem que existe a tal da linha evolutiva. Mas eu prefiro acreditar em deuses do que em Darwin. Esses meninos que têm "A Angústia da Influência" do Harold Bloom, no fundo no fundo têm é uma baita influência da angústia!!! Será que eu vim do Macaco Simão? Ou do Macaco Tião? Eu sou a filha da Chiquita Bacana! Yes, nós somos sacanas! Mamonas para dar e vende-ê-er!!!
Cena 8
E aí, por sorte do destino, dão o microfone para alguém com menos de 30 (diz a música que nos devíamos confiar) e quais são "as novas"? Estreiteza de visão que não vê nada além de sua paróquia, citando diretores e atores com produção eminentemente paulista, não vê o Brasil, riquíssimo nos adentros, não vê o mundo não vê além. Há, há, há, e esta é a geração da Internet!!! Da globalização.
Que pena que a luta pela subsistência obrigue muitos dos meus contemporâneos a arrumar um empreguinho na novela das seis, a ser submisso a diretores badalados, a gastar toda a melhor energia dos primeiros anos brincando de siga-o-mestre, em vez de tomarem seus próprios lugares no mundo, bem cedo, como Noel Rosa e Rimbaud. Extra! Extra!
Aldous Huxley prepara um novo livro: "Admirável Mondo Cane"! Bem que nós poderíamos acreditar que é a partir das inexperiências no desconhecido que podem surgir os melhores frutos. Mas não, os riscos e a utopia estão completamente fora de moda.
Entreato
Está na moda: ser filho de "Alguém". Era muito engraçado ver o Patrício Bisso na cobertura do Carnaval na televisão, anos atrás, selecionando os entrevistados: "Você é alguém?". agora nos anos 90, eu pergunto: "Você é filho de alguém?". O que vamos fazer, o Pixu, eu, e a torcida do Flamengo que somos todos uns filhos da mãe?!!!
Cena 9
Como em tudo na vida, há exceções. Então eu não resisto, sou uma simples mortal e peço licença para jogar aqui só um tiquinho de confete para aqueles que não estão com os olhos congelados na viseira do estabelecido, aqueles que não caíram na areia movediça do puxa-saquismo oportunista dos entronados.
Confetes para a generosidade de: José Paulo Paes, que escreveu palavras entusiastas a um prosador desconhecido; Régis Bonvicino, que escreveu um artigo falando dos poetas surgidos nos últimos anos (e que no debate da Folha estava brilhante insistindo em citar dezenas de poetas que não estão no pai de uma das redações e academias); Wally Salomão, Olga Savarya e Alice Ruiz, que são interlocutores dos poetas semsagrados; Roberto Piva, que sempre berra e que tirar seus xamãs da lista dos segredados e segredados; Nelson de Sá, que vai ver todas as peças (ainda que fale mal da maioria, o que ninguém suporta), que ama Shakespeare e Nelson Rodrigues, mas se esforça para abrir as portas para que possa existir uma safra de dramaturgos, atores e diretores; Denise Stoklos, que ameaça o phalocentrismo vigente e instituiu um prêmio para os que estão chegando; Regina Casé, que mostra o Brasil legal do João Ninguém e do Zé das Couves; Mix Brasil, que está mostrando o que ninguém queria ver; Antarctica Artes com a Folha (que tal Antarctica Poesia, Teatro e etc. com a Folha?); Perfeito Fortuna, que fez o Circo Voador; MTV, quando passa DemoClipes; Projeto Estadão de Cultura (que tem mostrado os sem-patrocínio); Grupo Galpão, que assobia, chupa cana e ainda organiza festivais; Abriu Pro Rock de Recife; Letícia Coura, que fez o CE Bam Bam Bam na raça; Olodum, que faz o futuro da Bahia; Sesc; Cláudio Willer, que não barra ninguém e não fomenta panelinhas; Musical FM, que toca e ainda vai tocar mais; e viva eu e viva tu que estamos tendo a paciência de escrever e ler tudo isso que vai embrulhar o peixe de amanhã na feira do Bixiga.
Cena 10
Perdão por não dizer os nomes de todos os maravilhosos artistas que estão aí e que não foram citados aqui, dos infinitos outros que virão, dos jornalistas que abrem a roda. São muitos mesmo, acreditem, a cultura brasileira é o nosso melhor produto de exportação! E além do mais não sou eu quem deve dar nome aos boys, tem gente que é paga para fazer isso, com salários e outras mumunhas mais.
Cena 11
Bernard-Marie Koltès: "Ninguém tem o direito de dizer que não existem autores contemporâneos. Claro que não os conhecemos, ninguém encena suas obras, não lhes pedimos nada".
Cena 12
Oswald de Andrade: "Ver com olhos livres". "O gênio é uma grande besteira."
Cena 13
Hilda Hilst: "Atentos, os da palavra, o olho atravessando o fundo, detendo-se cada turvo gesto porque é a via que vêem onde não vemos nada".
Epílogo
Consagrados Amados: perdão pelos "jovens" (ô palavrinha horrível!) artistas e jornalistas que só sabem impor o tédio da bajulação. Vocês mereciam algo menos monótono.
Fim: Apoteose: Início
Será que devemos ficar restritos à contemplação da história, ou cada um de nós vai reinventá-la agora?
Eu: Quem é que vai ter coragem de dar um olé nos parangolés?!
Precisamos de H. O. e também de H2O! Voando Alto 1997! Sandifi eanube dumine plezux!
Moçada, vamos dar um olé nos parangolés!

Texto Anterior: Ensaio integra série mundial
Próximo Texto: Dicionário de termos gays gera controvérsia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.