São Paulo, quarta-feira, 8 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Máquina emotiva caça origem do homem

JESUS DE PAULA ASSIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

HAL-9.000 é o grande homenageado da década de 90. E para sublinhar sua singularidade, tem dois nascimentos, ambos em 12 de janeiro: um em 1992 (no filme) e outro em 1997 (no livro).
Mas, por mais prodigiosa que seja a inteligência de HAL, tudo, ele incluído, desaparecem na trama de "2001, Uma Odisséia no Espaço". Livro e filme tratam de um só tema, tudo, e têm um só personagem, a humanidade. Diante disso, HAL-9.000 se torna quase tangível.
"2001" é uma odisséia: um herói busca suas origens. Bem a propósito do século 20, quando já não cabem guerreiros, cavaleiros e encantamentos, os heróis são astronautas que vão ao encontro daqueles que podem ter sido os criadores da humanidade.
O filme foi lançado em 1968 e, imediatamente, tornou-se cult: talvez o único filme de ficção científica que merecesse o estatuto de "arte". Mas é difícil entender a história a partir das imagens, pois elas são grandiosas, pesadas, solitárias. Tudo menos inteligíveis. E não era mesmo essa a intenção do diretor Stanley Kubrick.
Kubrick tomou de um escritor inglês, Arthur Clarke, idéias espalhadas por várias pequenas histórias. Comprou os direitos e contratou seu autor para que este produzisse um roteiro. No livro, estão as razões e, no filme, a emoção, exatamente como pretendia Kubrick.
Primeiro momento: primatas vagam famintos pelo deserto. Vêem um monólito negro, tocam-no e, imediatamente, descobrem como fazer armas, matar animais para comer e matar-se uns aos outros. O monólito cumpriu sua primeira missão: mostrar como sobreviver.
Segundo momento: astronautas acham enterrado no solo lunar um monólito negro. Quando o descobrem, um sinal é emitido para Júpiter. Não há como os astronautas saberem que, na verdade, o monólito já havia desempenhado um papel importante na evolução humana. Uma missão segue para Júpiter e, com ela, segue HAL-9.000.
Terceiro momento: o único sobrevivente da nave Discovery penetra em um imenso monólito que orbita Júpiter, passa para outro universo, tem sua vida dissecada. No final, torna-se um ser superior, tão distante do homem quanto este dista de um primata que viu o monólito, 4 milhões de anos antes.
Clarke marca esplendidamente esses dois saltos qualitativos da inteligência, do primata para o homem e deste para o ser superior, ao usar as mesmas frases: "Então ele esperou, ordenando seus pensamentos e meditando sobre seus ainda não testados poderes. Pois embora fosse mestre do universo, ainda não estava bem certo de o que fazer em seguida. Mas pensaria nalguma coisa".
No filme, o mais importante são as imagens: o desolamento do universo vazio, a solidão da viagem até Júpiter, a total impossibilidade de compreender os desígnios dos supostos observadores do homem e, claro, o dilema diante da máquina pensante e desvairada, HAL.
Nessa odisséia, ele é um dos artífices, pois ajudou a levar o homem até Júpiter e deve deixar a cena antes do final, que pertence inteiramente ao herói. E nisso está outra singularidade: HAL não pode morrer, pode apenas ser desligado. Na ficção, isso propicia uma cadeia de continuações e especulações, conjecturas e festas de aniversário para quem ainda não nasceu.

Texto Anterior: Na rede; Mistério; 'CorelDraw'
Próximo Texto: Chip e algoritmos vão reconhecer os sons
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.